Vitor Chicarolli: “Hoje tem até jornalista da Globo que sai da redação e vai gravar live”

Marcele Magalhães

Foto: Acervo pessoal

É dessa forma que Vitor Chicarolli, 25, tenta explicar as lives, um formato cada vez mais popular, inclusive no jornalismo. “Acho que esse formato ganhou muita força com a pandemia e é uma coisa que veio para ficar”, conclui. O novo modelo é o principal produto feito pelo paulista no veículo para o qual trabalha, o Meu Timão. Essa marca cobre especificamente o Corinthians e reúne mais de 6 milhões de seguidores em suas redes sociais, cerca de 170 milhões de visualizações no YouTube, além dos acessos em seu site. O veículo possui números suficientes para ser considerado um dos maiores portais de notícias segmentadas de um clube do mundo. Apesar de jovem, Vitor demonstra certa experiência na profissão, além de um cansaço com o mundo atual que não permite o desligamento das redes nem por alguns minutos, “É bem cansativo estar sempre conectado. Às vezes é importante ficar um pouco off para fortalecer a mente também. Precisamos estar com a parte mental bem trabalhada para conseguir lidar com essa rotina maluca”, diz.

Como é sua rotina como jornalista?

Ultimamente minha rotina está bastante ligada às lives que faço com meu parceiro, Andrew Souza. Todos os dias faço duas lives. Em dias de jogos vou ao estádio, faço pré e pós-jogo. Quando acontece alguma coisa muito relevante no clube nós também entramos ao vivo. Às vezes escrevo umas matérias para o portal, mas hoje meu foco mesmo tem sido os vídeos para o canal secundário do Meu Timão, o Cola Fiel. Quando saio das lives fico o tempo todo ligado para ver alguma nova informação do Corinthians. Ligo para a assessoria, tento falar com o clube. É uma loucura! Precisa ter o emocional muito bem preparado para não surtar. Não tenho uma mesma rotina todos os dias. Semana passada fui para a Argentina cobrir o jogo do Boca, por exemplo. Cada dia é uma coisa nova. Mas nunca posso me desconectar totalmente, até mesmo agora que estou de férias. Isso é uma coisa um pouco chata, sabe? Precisa trabalhar a mente.

E como é ter sua rotina ligada às lives do YouTube? Durante sua formação, você imaginava que esse seria um dos seus principais produtos?

Já fiz live para 10 mil pessoas, para 5 mil ou até para 100. Precisa ter um preparo. Principalmente porque tem o chat cobrando, xingando e elogiando também. O chat às vezes é bem pesado, ele extrapola. E é uma coisa que precisamos lidar durante a transmissão. Precisamos ter um emocional forte para não deixar abalar. No começo era mais difícil porque eu tinha vergonha e ficava pensando o que a galera ia falar. Para mim era difícil sair da redação e começar a dar a minha opinião, a fazer vídeo. Mas agora é bem de boa. Acho que esse formato ganhou muita força com a pandemia e é uma coisa que veio para ficar. Hoje tem até jornalista da Globo que sai da redação e vai gravar live. Acho que é uma tendência dessa geração mesmo. E também tem a “geração TikTok”, que gosta de vídeos curtinhos, que passam a informação e logo acabam. A gente tenta mesclar um pouco esses formatos. Fazemos lives para quem curte uma conversa e também soltamos vídeos menores para a galera que gosta mais de algo curto.

Você sempre quis ir para a editoria esportiva ou foi um processo mais orgânico, uma descoberta?

Eu sempre quis trabalhar com esporte, na verdade. Sempre fui apaixonado pelo Corinthians e pelo futebol de forma geral. Também gosto de basquete, baseball, um pouco de futebol americano… E quando chegou a hora de decidir o que eu ia fazer, queria trabalhar com qualquer coisa que fosse ligada ao esporte. Pensei bastante em Publicidade e Marketing. Mas acabei indo para o Jornalismo. Comecei a chamar vários jornalistas para conversar. Mandava mensagem para os caras e perguntava como era o mercado, o que eles achavam da profissão, da faculdade. Perguntava tudo o que eu queria saber. E aí, quando estava na faculdade, na hora de estagiar, decidi mandar currículo só para a área de esportes. No meu último semestre consegui uma vaga no Lance!. Já estava desesperado, mas deu tudo certo. Quando comecei no Lance! eu ainda não era setorista do Corinthians. Cobria vários times. Até que vim para o Meu Timão, que é um site segmentado, e comecei a cobrir o clube.

Você deve ouvir essa pergunta o tempo todo, mas como é cobrir seu time do coração? Você consegue separar o apaixonado do profissional?

Cresci extremamente fanático. De ir a todos os jogos, de viajar com o clube… Mas aí quando você começa a trabalhar com isso vai perdendo um pouco dessa paixão. Agora é diferente. Não sinto mais a mesma empolgação. Uma derrota não me deixa mais tão triste e uma vitória não me deixa mais tão feliz. E é claro que estar cobrindo o clube que sempre gostei é mais prazeroso. Imagina perder aniversários, finais de semana, datas importantes para ir assistir ao Palmeiras? (risos) Então não tenho do que reclamar do meu trabalho. Mas eu não teria problema em trabalhar com outros times. Por isso até evito trabalhar com a camisa do Corinthians, fazer piadinhas com os outros clubes, chamar pelo apelido ou coisa assim de torcida. E também tem aquela coisa: indo no dia-a-dia do CT, convivendo com os caras, tira um pouco dessa imagem de super-heróis que eles tinham para o Vitor de 5 anos. Quando que o Vitor de antes ia imaginar entrevistar o Cássio? Foi isso o que eu fiz no último jogo. E, assim, normal. É meu trabalho. Vejo o Cássio, Renato, Fagner como caras normais. É claro que eles são jogadores, famosos, ganham super bem. Mas ainda são caras que só estão ali para trabalhar. Assim como eu.

O jornalismo esportivo é enxergado como uma espécie de subjornalismo por muitos. Como você encara essa visão?

Quando estava decidindo o que fazer eu conversava muito com jornalistas. Eles sempre falavam que não olhavam o esportivo como a mesma coisa, que olhavam como se fosse uma prateleira abaixo. Menos importante. Mas nunca sofri com isso. É claro que eu sei que a gente não ganha a mesma importância dentro de um jornal e que muitos vão olhar e falar que isso não muda nada no país, mas é importante. É outra forma de informar. Muita gente curte. Eu mesmo, saia da escola e ia ligar a TV para assistir meus programas de esporte. Mas como eu disse, nunca sofri com isso. 

Durante as transmissões, você mostra um tom bastante descontraído, principalmente ao lado do seu parceiro Drew. Tem horas que parece que você é o “bad cop” e ele o “good cop”. Esse foi um estilo que você sempre quis adotar ou foi algo que vocês foram assumindo naturalmente ao longo do tempo?

Drew e eu nunca sentamos para conversar sobre como a gente ia levar o programa. Eu sou eu o tempo todo e o Drew é exatamente daquele jeito. Somos assim e acho que é por isso que dá certo. Brincamos na hora que tem de brincar, mas também falamos sério quando precisa. Não temos aqueles programas super engessados que só fazem a análise e pronto. Gostamos de brincar, conversar com o pessoal do chat, fazer umas coisas diferentes. Acho que esse é o diferencial. E tem a parte de que o Drew é muito mais um cara do entretenimento. Ele gosta do estúdio, de falar com o chat, de apresentar. Já eu sou muito mais da análise, de sair para fazer a externa, de cobrir o jogo. Acho que a gente acaba se completando e dá uma mistura legal. Sempre nos divertimos fazendo o programa e acabamos passando isso para o público também.

Você já citou como o público se relaciona com vocês. Falou de como as vezes eles xingam ou gostam de algo que vocês falam. Como você acha que a participação do público interfere no seu conteúdo?

O público não interfere diretamente no conteúdo. A gente sempre está pedindo feedback. Tentamos escutar o que as pessoas estão falando, mas nem sempre dá. Senão ficamos malucos. Tem umas pessoas que são mais frequentes, que confiamos mais, então perguntamos o que eles estão achando e levamos mais em consideração. Mas tem muitos que vão nas lives só para fazer uma graça. Então não damos tanta importância. No conteúdo mesmo eles não interferem. O conteúdo é feito quando a gente pega tudo o que aconteceu de mais importante no Corinthians durante o dia e faz um roteiro. Mas a participação do público é muito importante. Sem o chat não teria programa. Porque fazemos meio que uma conversa. Quando não estava aqui eu também queria que a minha mensagem fosse lida, que ela aparecesse, que alguém respondesse meu comentário. Então é isso que a gente tenta fazer. Mas o conteúdo somos nós que escolhemos.

Você é setorista do Corinthians e, em cerca de um mês, o time se envolveu em 3 casos de injúria racial. Como tratar de um assunto tão sério em um meio conhecido pela descontração?

É bem pesado falar sobre esses assuntos na live. Muitos ainda não entendem a gravidade disso. Eu estava cobrindo em casa no dia do Rafael Ramos e o Drew estava lá no estádio. Eu não sabia o que falar e o chat bombando. Uma grande maioria entendia a gravidade, mas sempre tem aquela minoria barulhenta que fica falando um monte de coisa errada e lotando de mensagem. Claro que ressaltei que o Rafa ainda não era culpado, que precisavam de provas. Mas eu nunca passei por uma situação dessas. Nunca sofri esse tipo de coisa. Posso já ter lido uns livros, mas nunca vou passar por isso. Isso me fez ficar mais do lado do Edenilson. Mas uns caras não entenderam e começaram a me xingar durante a live. Foi bem pesado. Eu estava falando de um assunto sério e começaram a falar que era “mimimi”. Tinha que esquecer os comentários mesmo estando nervoso.

E como você acha que esse assunto deve ser tratado tanto pelas autoridades, como Conmebol e CBF, quanto pelos próprios times e comunidades esportivas?

Esse tipo de coisa não é problema só no futebol. Direto a gente vê casos assim acontecendo. Na verdade, o futebol deveria servir de exemplo. Ensinar que hoje não tem mais lugar para isso. Nem no futebol e nem em qualquer outro lugar. Precisam começar a aplicar medidas mais drásticas. Tipo, a Conmebol podia começar a fechar estádio em dia de jogo, aplicar multas maiores, tirar o mando de campo, tirar a pontuação dos times. Atitudes como essas iam fazer o torcedor ver que está prejudicando seu próprio clube e talvez parariam com isso. Nesse último jogo lá na Argentina tinha até criança repetindo aqueles gestos racistas, de imitar macacos. Isso mostra que é uma coisa cultural deles e ninguém está fazendo nada. A multa pelos gestos racistas dos argentinos foi mais barata que a do Corinthians por colocar um anúncio no lugar errado, entende? Há um completo descaso. Não precisa ir longe. Aqui mesmo, no jogo contra o São Paulo, a torcida do Corinthians cantou gritos homofóbicos. Isso precisa parar. Mas só vai parar com punições mais drásticas aos times ou com os próprios clubes chegando e dizendo que não vão jogar nos estádios em que esses preconceitos estão sendo normalizados. A atitude dos clubes é quase impossível porque eles têm menos poder. Acaba ficando mais para as autoridades mesmo.

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