A capoeira para crianças se tornou um lazer e despertar para  o lúdico

Luiz Felipe Sena e Manoela Santos

A capoeira não se resume a uma prática-esporte, mas como uma brincadeira que pode incentivar a autonomia, responsabilidades, dentre outros benefícios. A psicopedagoga e mestre em educação Edinei Garzedin acredita que a prática-esporte pode naturalmente melhorar a motricidade, a cognição e o aprendizado das crianças. “A criança se comunica através do corpo”, afirma Edinei Garzedin, que desenvolveu uma pesquisa sobre a capoeira como espaço de lazer para as crianças. A especialista em psicomotricidade desmistifica a ideia de que a capoeira só traz benefícios para a disciplina no campo escolar, mas coloca a pratica-esporte como espaço de brincar e que naturalmente pode trazer benefícios, tanto em atividades escolares quanto na cognição das crianças.

Lidiane Pinheiro, mãe de trigêmeos, colocou os filhos na aula quando um deles, Davi, não se adaptou a outras modalidades esportivas. Hoje ela considera a capoeira como uma forma de disciplina prazerosa, que deixou o filho mais alegre e aumentou a autoestima do filho, assim como, trouxe também benefícios para os outros dois irmãos. “Eu vejo que a professora de capoeira realiza um movimento de administrar conflitos deles três. Ela faz eles pensarem, mas é um processo de reflexão e disciplina, pois ajuda a lidar com as situações. Um cumprimento de regra com prazer”.

Carla Patrícia, Guerreira, como prefere ser chamada pelos alunos é professora no “Dendê de aro amarelo”  considera que a capoeira também pode estimular a autonomia das crianças. “Nós começamos a trabalhar a questão de que eles [as crianças] podem ser independentes. Fazer as coisas. Chegou, cada um arruma sua mochila, cuida dos objetos da capoeira que também são deles”, afirma.

Professores e filhos de Lidiane/ Foto: Acervo pessoal

Lidiane acredita que o grande interesse dos filhos pela prática ocorre pela forma como a aula é ministrada. “Tinha o treino, mas no final ela jogava alguma brincadeira, bola pra eles brincarem. Então, mistura muito com a coisa da brincadeira. Eles estão brincando e quando menos esperam estão conseguindo fazer os movimentos. Eles ficam muito felizes”.

A mestra em  capoeira de Angola e doutoranda em dança, Dandara Baldez, também acredita que é brincando que se constrói conhecimento. Dandara, que atualmente é professora de capoeira na escola infantil Maria Filipa, afirma que é muito prazeroso trabalhar com crianças. “Como criança você se debruça muito mais sobre o aprendizado, porque o adulto tem essa posição de quem parece estar pronto, mas não está.”

Apesar da relação da capoeira com o ato de brincar, existe uma certa disciplina e respeito pelas hierarquias nessa manifestação popular. “Eles precisam esperar a vez de cada um pra fazer os golpes, interagir um com o outro, seguir regras. Então, eles têm que seguir, passo a passo, as regras. Nessa perspectiva, Dandara acredita que a hierarquia e as obrigações são cruciais para despertar a responsabilidade. “Essa questão da hierarquia traz esse entendimento de respeito, e quais as obrigações que eles têm com o espaço que habitam. A gente acha que obrigação é algo ruim, mas a obrigação é você entender com maturidade o lugar de suas responsabilidades. Isso para mim, é o que a capoeira demonstra.”

O desenvolvimento de pesquisas acadêmicas  como o de  Edinei Garzedin, desempenham um papel  importante na valorização dessa prática. Pois, segundo a mestra Dandara, existe um preconceito por parte da academia com o que envolve movimentos corporais. “Tudo que vai mexer com o corpo, as pessoas acham que a gente não tem pensamento, não se relaciona com outras áreas do conhecimento. A academia tem o costume de estudar partes, mas na capoeira não tem como estudar partes, ela é um integrado, uma visão circular. Mas isso tem mudado muito, principalmente com o doutorado da escola de dança. Abriu várias frentes na área de cultura popular, conhecimentos indígenas e conhecimentos afros.”  

Projetos sociais

Dadá Jacques é Mestre de capoeira e um dos fundadores da ong “Dende de aro amarelo”, que tem como sede o terreiro da Casa Branca e uma filial no Vale do Matatu, em Brotas. Conta com a colaboração de professores que ensinam também em Nova York e na Austrália.

Com objetivo de desvencilhar a capoeira do ensino engessado, Dadá traz novas perspectivas à pratica-esporte com o fomento de brincadeiras, que despertam a ludicidade nas crianças e fazem com que participem das aulas com prazer e se desprendam um pouco do “mundo” digital. “Pular corda é um exercício muito importante para a capoeira. Acompanhar a velocidade, trocar os pés, as mãos, respirar. Gosto de trazer brincadeiras lúdicas de quando éramos crianças, que não existem mais hoje, porque está tudo cibernético”, afirma o mestre.

Com a missão de “deixar a criança ser criança”, como diz, Dadá considera que cada aluno leva determinado tempo para executar atividades específicas e que essa mediação tem que ser feita com cuidado pelo professor. “Para fazer um determinado movimento ela precisa se equilibrar, pegar um balde, com delicadeza. Fazer algumas brincadeiras lúdicas”, afirma Dadá, que acredita no benefício das práticas divertidas para o aprendizado e, assim, a criança consegue ter uma noção básica dos passos iniciais da capoeira e executar os exercícios com mais facilidade.

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Grupo Olorum Bahia/Foto: Acervo pessoal

O projeto social Olorum Bahia, criado por Emerson Santos, o mestre Guelo, valoriza a capoeira como espaço lúdico e de inclusão social. “É um local onde a criança pode brincar. A melhor maneira de aprender é brincando”, afirma Alex Prisco, mestre de capoeira e irmão de Emerson.

Alex acredita que o aprendizado ocorre por meio do convívio e tem cuidado ao lidar com as crianças, sem se colocar num patamar superior e distante, assim como mestre Dadá. Alex conduz as aulas sem extrema exigência. “Procuro fazer com que elas [as crianças] percebam que sou um líder e então, sinalizo as regras da brincadeira”, pontua o mestre.

Se situada como um espaço inclusivo e prazeroso para a criança, a prática da capoeira pode, naturalmente, e de maneira orgânica, trazer outros benefícios para a vida dos alunos. “A capoeira auxilia no desenvolvimento das capacidades psicomotoras do indivíduo, visão binocular e periférica, memória curta, longa e ultra rápida, coordenação motora, etc”, afirma Alex.

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