Alexandro Mota: “Talvez tenhamos dois cenários trabalhando de forma conjunta.”

Por Rodrigo Beitencourt

Recentemente aprovado em segundo lugar no projeto de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Facom, Alexandro Mota aposta, com a pandemia, em uma possível união entre formas de produção jornalística antigas (presença, redação, reunião, apuração na rua) e as mais recentes adaptações (home office e entrevistas por chamada de vídeo). O Jornal Correio, no qual trabalhou por 6 anos, de 2011 a 2017, marcou sua trajetória de maneira significativa. Lá, ele passou pelos cargos de trainee, estagiário e repórter. “Estamos num momento, dado o avanço tecnológico, que nos permite essa mudança, porque existem, hoje, diversos aplicativos, sites ou plataformas de gerenciamento de equipe online e de tarefas. Além de uma maior qualidade de vídeo e chamada. Todas essas coisas nos autorizam a  produzir [jornalismo] de uma outra forma”. Ao longo da carreira como comunicador, foi diverso, tendo explorado desde a área de assessoria de imprensa até o trabalho com ONGs.

 

 


A interatividade nas redações é algo positivo no seu ponto de vista? Eu percebo que você é muito apegado à reportagem, inclusive, vi no perfil da FacomNews que o ser repórter te encanta muito, então queria saber se essa interatividade nas redações é algo positivo, se altera as reportagens.

 

Olha, eu acho que altera e de diferentes formas. A primeira delas e a mais evidente: o jornalismo, por muito tempo, foi feito de uma forma afastada da audiência. Sempre teve essa coisa meio desapartada.

Antigamente, não existia essa atenção com a internet. Então, a grande mudança, hoje, é a importância dada ao que as pessoas comentam sobre a sua produção. Existem produções, hoje, que levam em conta que aquilo não vai ser somente lido, mas comentando e circulado.

Existe uma grande discussão, atualmente, em jornalismo e em pesquisas. Uma discussão sobre impacto: antes, as medições em jornalismo eram quase todas publicitárias ou de audiência, já que é útil para empresas venderem publicidade, mas essas pesquisas não necessariamente são precisas quanto ao impacto que o jornalismo, em si, causou. A mudança dessas pesquisas é positiva porque considera a atenção dada pela internet a determinados produtos. Ou seja, não é apenas pensar nos números, mas na conversação, digamos assim, em torno do que as pessoas produzem no jornalismo.

Essa, para mim, é a principal mudança. Sair de uma rotina produtiva de jornalismo que parecia estar encerrada quando você publicava, para uma que observa quem interage com aquele produto.

Você acha que a interatividade entre os jornalista e editores dentro das redações também altera o produto final?

 

Absolutamente. As redações, inclusive, são desenhadas para que haja essas interações. Quase sempre há a tentativa de criar um clima que difere de um escritório tradicional, no qual as pessoas estão todas de costa. Não, muitas vezes o desenho arquitetônico faz com que os repórteres estejam voltados para o editor, que os editores estejam voltados, de alguma forma, para o editor-chefe, e que as editorias estejam posicionadas de maneira estratégica, porque são, justamente, esses contatos entre o corpo produtivo que move as engrenagens.

Não é possível pensar em um jornalismo de um homem só. Existe? Óbvio. Mas o jornalismo profissional que conhecemos é, normalmente, feito em equipe. Existe um processo quase industrial mesmo, o repórter, a apuração, vai para a linha de montagem, com o editor, depois o revisor.

 

Considerando a cultura jornalística da reportagem, na qual os repórteres se identificam muito com o ato de sair nas ruas e apurar, você acha que o período pandêmico impacta a qualidade das reportagens, já que os jornalistas ficam, em tese, impedidos de sair para fazer a apuração ?

 

Olha, obviamente, há um impacto, mas principalmente diante do que nós temos como ideal no jornalismo. O ideal do jornalismo.. das ruas.. óbvio que essa ainda é a realidade de muitas redações em diversos lugares, mas seria ingênuo da nossa parte dizer que este impacto é só culpa da pandemia.

A realidade de muitas das redações, hoje, é o que começou a ser chamado de jornalismo sentado, principalmente em veículos digitais. Todo mundo sabe que a maior parte das produções são feitas por telefone, e já eram assim antes.

Entretanto, sempre vai haver o lugar da rua, mesmo que seja numa coletiva de imprensa que algum prefeito convocou. Essa ida do repórter de um lugar para o outro faz com que ele tenha a possibilidade de não ficar preso somente a um discurso oficial daquela coletiva, podendo olhar para outras coisas. E, no próprio caminho, encontrar alguma pauta.

A rua, de fato, é um lugar muito importante para fazer um jornalismo de qualidade. E, também, para fugir de algo que temos atualmente: o jornalismo declaratório. Mas, o que eu disse até agora se aplica caso analisemos veículos digitais. Sobre veículos televisivos, podemos fazer outras acepções.

Se observamos o jornalismo televisivo, notamos uma mudança muito visível, sobretudo estética. Você só via ele usando videochamadas, por exemplo, em casos bem pontuais, com correspondentes internacionais ou coisas do tipo.

Existia o padrão da televisão: o câmera ia ao local fazer meia, enquadramento, etc. Obviamente, a produção de telejornalismo percebeu que é possível fazer de modo remoto e manter o padrão de qualidade. É notório que há perdas, mas, também, muitos ganhos na diversificação das fontes. Jornais, agora, podem chamar especialistas em algum assunto que não sejam do local no qual a sede do veículo está. Acho que, do ponto de vista do telejornalismo, por mais que existam perdas estéticas, esse aspecto da diversidade das fontes é uma coisa que pode ficar.

Pode ser que nada mude, mas o contrário também é uma variável a se considerar. Daqui a algum tempo, podem chamar um especialista de outro estado para uma matéria por meio de vídeo chamada sem que o editor desaprove ou o próprio público faça o mesmo, uma vez que ambos já  teriam se acostumado ao novo fenômeno. Eu, falando do lugar de telespectador, já me acostumei em ver uma reportagem do fantástico, por exemplo, e perceber que alguma das entrevistas foi gravada pelo zoom.

No jornalismo, a informação deveria ser superior a estética.

 

Há alguma presunção, mesmo que nos bastidores entre jornalistas, editores ou donos dos jornais, sobre o futuro do jornalismo neste contexto? Considerando a interatividade com as redes sociais e o trabalho home office.

 

Eu não consigo achar que qualquer previsão nesse sentido seja certeira ou segura. Na minha avaliação, as redações experimentaram e viram que é possível fazer [jornalismo] de um outro modo, diferente daquele feito antes. É bem provável que, em alguns momentos, a gente tenha condições de um fazer [jornalismo] que seja híbrido, considerando o modo como era feito antes: presença, redação, reunião, apuração na rua, junto ao que conhecemos hoje: home office, etc.

Estamos num momento, dado o avanço tecnológico, que nos permite essa mudança, porque existem, hoje, diversos aplicativos, sites ou plataformas de gerenciamento de equipe online e de tarefas. Além de uma maior qualidade de vídeo e chamada. Todas essas coisas nos autorizam a  produzir de uma outra forma. Mas esse fenômeno é em potencial, se, de fato, as redações vão abraçar, eu não sei.

Já existem veículos que são uma mistura, com jornalistas trabalhando em Home office e outros indo para as ruas e redações. A minha aposta é que, talvez, tenhamos esse misto, dois cenários trabalhando de forma conjunta.