Arla Coqueiro: “O que a gente tem vivido é a cobertura pesada sempre, todos os dias.”

Por Clarissa Narai

Acervo pessoal de Arla Coqueiro

“Uma experiência difícil, mas ao mesmo tempo desafiadora e, por vezes, desesperadora”. Conta Arla Coqueiro, gerente de jornalismo na Rádio Band News FM, sobre as dificuldades que o jornalismo precisou enfrentar durante a pandemia. “É como se você vivesse o extraordinário todos os dias”. Na entrevista, a jornalista compartilha suas experiências ao lidar com a necessidade de adaptação à um novo modelo profissional. E, reafirma a importância da checagem e apuração de notícias durante a pandemia. “Sempre duvidar e sempre checar”.

 

Na sua experiência, como o jornalismo se adaptou em meio à Pandemia?

O jornalismo se adaptou tentando proteger os profissionais e, ao mesmo tempo levando a notícia como ela deveria ser levada, com a rapidez necessária, com a apuração necessária também. Muitas pessoas ficaram de home office, havia uma alternância para evitar o número excessivo de funcionários no mesmo ambiente com todos os cuidados (máscaras, face shields). Algumas pessoas com comorbidades tiveram que ficar afastadas de forma diferente em relação às outras. Criaram-se protocolos com instalações de lavatórios e tapetes sanitizantes. A limpeza foi um pouco mais rigorosa e evitamos que as pessoas compartilhassem o estúdio ao mesmo tempo. E foi assim que desde o início a gente enfrentou a pandemia.

 

Nós sabemos que as notícias não podem parar, como foi a sua experiência durante os meses mais críticos?

Houve algumas dificuldades por parte de algumas pessoas que tinham pouca familiaridade com a tecnologia e com o trabalho à distância, tanto o comando do que precisava ser feito quanto receber ordens à distância,  para que as coisas caminhassem. Isso exigiu um tempo de adaptação, mas, com o WhatsApp, chamadas de vídeo, reuniões virtuais, a gente conseguiu fazer as adequações necessárias. Particularmente, a experiência de gerenciamento foi uma experiência dura porque eu acabei ficando mais tempo na redação do que o restante das pessoas, porque eu tinha, por obrigação, protegê-las e criar condições para que elas trabalhassem em segurança. Mas, à certa altura, houve um direcionamento para que todo mundo fosse colocado de home office em condições iguais, então eu também tive que ir me adaptando a esse sistema. Uma experiência difícil, mas ao mesmo tempo desafiadora e, por vezes, desesperadora, porque é uma situação extraordinária e é como se você vivesse o extraordinário todos os dias. A gente faz coberturas eventuais que são extraordinariamente pesadas, à exemplo das posses do governador, do prefeito novo, posse na assembleia, na câmara, carnaval, virada do ano… O que a gente tem vivido é a cobertura pesada sempre, todos os dias, e isso realmente tem deixado todo mundo cansado, mas, é preciso seguir adiante, então é o que a gente faz.

 

Durante esse período, a disseminação de notícias falsas aumentou consideravelmente, trazendo riscos de vida. Como o jornalismo está lidando com esse problema?

A gente trabalha com a checagem da informação sempre e existe um rigor para isso, sendo assim, a gente fica um pouco mais distante das fake news. Nós sempre trabalhamos com notícias dos órgãos oficiais, dos cientistas, da Fiocruz, das universidades. Então, eu acredito que a checagem é uma obrigação diária do jornalismo e quem faz isso fica um pouco mais distante dessa coisa da fake news. Por exemplo, houve momentos em que era necessário desmentir algo, mas eu não me achei na obrigação de desmentir porque a gente não tinha dado aquela informação, porque na checagem tinha ficado claro pra gente que não se tratava de algo sério. Então eu acho que a checagem e a apuração são necessárias e elas fazem com que a gente não caia nesse tipo de armadilha. Então, eu acho que é uma rotina do jornalismo e não a excepcionalidade dele o fato da gente precisar checar. Eu vi veículos desmentindo informações que a gente não tinha dado, porque na checagem a gente já tinha barrado aquele tipo de conteúdo. Checagem e apuração sempre e com quem tem o gabarito para falar a respeito daquilo, quem tem o conhecimento. Sempre duvidar e sempre checar.

 

Além das fake news, como foi/está sendo combater à falta de acesso às informações durante a pandemia?

Bom, a gente trabalha com as informações dadas pelas universidades, pelos órgãos oficiais, conversando diretamente com as autoridades, algumas, inclusive, muito dispostas e disponíveis e isso fez com que a gente tivesse a condição de, às vezes 6:30 da manhã, falar com assessoria dos secretários de saúde e dos governos para checar as informações. Então houve também essa disposição por parte deles, salvo naqueles momentos em que havia notícias um pouco mais complicadas, como a denúncia na compra de respiradores, problemas com as empresas que venderam esses respiradores, aí demoravam um pouco mais. Mas a gente teve uma certa disposição das autoridades em manter as informações claras a respeito das providências que estavam sendo tomadas. Como eu disse, houve momentos de um pouco de dificuldade por causa dessas questões extraordinárias. Administrações de hospitais, à exemplo do Espanhol, que teve um problema no percurso da pandemia, a empresa sendo colocada em dúvida por causa da quantia cobrada. Por causa do processo licitatório, também tivemos que esclarecer com as autoridades responsáveis, então é um percurso difícil, mas necessário. Mais uma vez, a checagem e a apuração. Se houvesse demora, ok, mas sempre indo até o fim e insistindo para que a gente tivesse a clareza da informação para passar para o nosso ouvinte. Ainda complementando, existe a lei de acesso à informação, então, se necessário, recorrer a lei para recolher a informação necessária a respeito daquele assunto sobre o qual as autoridades não falaram com clareza necessária. Então, é sempre bom lembrar de que a lei de acesso à informação é uma realidade e um instrumento tanto do jornalismo quanto da população para ter acesso à informação necessária em relação a qualquer tipo de assunto sobre o qual se tenha alguma dúvida.

 

Diante de tantas transformações, como você vê o futuro do jornalismo?

Eu acho que o jornalismo, sob o aspecto financeiro, fica fragilizado, como estão fragilizadas todas as atividades comerciais, porque a gente vive de vender informação. Mas ao mesmo tempo, o jornalismo e a ciência estão fortalecidos nesse momento, sobretudo diante daqueles que acreditam que é necessário haver critério no que se diz a respeito de determinadas questões, sobretudo questões científicas. Então, quem quer acreditar em fake news continua acreditando, porque é outra tendência desde sempre. A gente tem fake news desde o impresso, desde os boatos, desde que o mundo é mundo, desde que a fofoca existiu nos primeiros grupos humanos. Então, não é muito diferente do que sempre aconteceu, claro que em um grau muito mais elevado. Não sabemos como vamos sobreviver sob aspecto financeiro, mas isso o tempo deve nos trazer essa resposta. Eu sinceramente não tenho essa resposta. O futuro do jornalismo seria muita presunção da minha parte. Vai continuar existindo? Vai, porque é preciso que haja veículos dispostos a dizer as coisas. Por outro lado, a gente sempre teve veículos comprometidos com determinadas causas particulares de determinados grupos, então a gente não tá vivendo, também não vai viver, nada muito diferente do que a gente sempre viveu e a multiplicidade que a internet oferece pode trazer sim diferentes vozes e aí dar uma pluralidade àquilo que se diz a respeito das coisas, mas não consigo entender direito ainda como será esse futuro. Mas há de ser. Porque senão a gente fecharia todas as faculdades de jornalismo e largaria profissão e iria pro mato plantar alguma coisa pra colher e comer. A gente não está fazendo isso ainda, né? Fica lá nos veículos, insistindo um pouco ainda nessa atividade que é cheia de dores e delícias.

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