Escolhas

Carlos Eduardo Reis

Eram por volta das 18:00 e eu tinha tido o dia mais exaustivo da semana. Mesmo tendo feito metade do que eu faria se estivéssemos em tempos normais, ao pôr do sol eu já estava esgotado. Com a produtividade, me veio também a necessidade de tomar decisões, e para mim isso é totalmente exaustivo. Então, para o orgulho da minha terapeuta, eu decidi aproveitar o resto da noite fazendo coisas que eu me entretivesse. Pensei em chamar um amigo que mora na rua de baixo, mas vieram questões que me impediram “E se ele pensar que estou desrespeitando quarentena?”, “E se o meu outro amigo que mora mais distante não gostar de eu não ter chamado ele também?”, “E se eu não souber mais interagir corretamente com pessoas?”. 

Enfim, depois veio a ideia de assistir algum seriado e pedir um lanche diferente. Para a série, eu liguei o computador e lembrei que tenho assinatura em 5 serviços de streaming, qual seria o meu critério de seleção? Eu tinha noção que cada um deles havia milhares de obras nos catálogos e que seria impossível analisar todas, mesmo assim gastei uns bons 20 minutos em cada um para fazer uma escolha consciente e sem arrependimentos. No primeiro deles, lançaram nesse mês um filme com o retorno de um superstar de Hollywood, mas que já estava desatualizado porque hoje lançaram uma nova temporada do seriado que eu ainda nem acabei a anterior, mas nas redes sociais já estão falando super bem do filme coreano indicado ao Oscar. Em outro, fizeram uma lista com mais de 100 filmes sobre o modernismo francês, assunto que eu nunca me interessei, mas de repente me veio a vontade de ter o poder de absorver centenas de minutos de películas em apenas um segundo só para ser capaz de conversar sobre o tema.

Na hora de pedir o lanche também aparecem 5 aplicativos diferentes no meu celular, cada um com promoções incríveis, mas cheias de “exceto se”. Quando pesquiso os restaurantes nas proximidades, mais da metade eu nunca tinha visto no meu bairro. As opções são diversas: comidas de todas as partes do mundo, bolos feitos do que você imaginar de comestível, pizzas de todos os sabores, cachorro-quente no pão, no prato, no copo… Tudo pela concorrência! Eu também não sabia o que escolher, “Acho que vou pegar essa lasanha, talvez me lembre da casa da minha mãe, mas e se não for igual e mudar todo o meu conceito de lasanha?”, “Talvez eu pegue esse combo de hambúrguer, mas e se eu for comprar pessoalmente e estiver mais barato?”, “Será que vale a pena pegar o sushi do restaurante X ou Y?”, “Será que compensa pagar mais caro com o frete grátis?”, “Até que tem resto do almoço na geladeira”.

O Brasil está passando pela maior crise sanitária do último século e todo mundo está enfrentando diversas dificuldades, no entanto, essa em específico eu já não conseguia lidar bem até em tempos normais. Eu não sou bom com escolhas, podem fazer todas para mim! Podem escolher o que eu vou comer, o que vou assistir, o que vou fazer. Sinto que na pandemia elas me perseguem mais ainda, eu odeio quando me respondem “Você que sabe”, não, eu não sei de nada! 

Podem dizer que estou reclamando de barriga cheia, que estou sendo mesquinho por ter normalmente mais de uma opção. Continuo achando paradoxal o ser-humano ser tão livre e ao mesmo tempo viver essa pressão cotidiana. Afinal, “não escolher” não é uma escolha. Mas até quando decido tomar uma decisão sinto que ela não é totalmente minha, sei que os algoritmos me induziram àquilo. Depois disso, para não entrar no debate filosófico, na noite anterior eu fui incapaz de fazer escolha alguma, liguei a novela, comi o feijão frio e dormi rolando o Twitter, tal como em qualquer outra noite quarentenado. 

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