Brenda Rodrigues: “A verdade, mais do que nunca, passou a ter o poder de salvar vidas”

Júnior Almeida

Nesse cenário de fake news em meio a uma pandemia, a produtora do Mais Você, programa líder de audiência exibido na TV Globo, defende que a verdade é a essência do jornalismo. Acostumada a criar pautas que levam sorriso para os lares, a jornalista acredita que o trabalho jornalístico, mais do que nunca, passou a ter o poder de salvar vidas. Nesse cenário, viveu momentos ímpares no jornalismo durante a pandemia: à meia noite de uma sexta-feira acionou um colega de trabalho depois de receber um pedido de informação de uma fonte: “São vidas. Às vezes, em uma ação, a vida de alguém pode ser salva”. Quando trabalhou no jornalismo cotidiano,  Brenda enfrentou desafios ao produzir reportagens com familiares de luto por conta da covid-19. “Somos meio ‘urubus’, estamos em cima das pessoas quando elas perdem entes queridas, porque a partir da dor delas podemos tocar outras pessoas“. Por vídeo-chamada, a produtora conversou sobre isso e muito mais.

Quando a pandemia se instalou, o “Mais Você” foi suspenso. Como descreve esse processo? 

Foi tudo muito rápido. Ouvíamos falar de um vírus que estava chegando, mas um pouco antes disso cheguei a trabalhar no Carnaval do Rio de Janeiro, fui até pra Sapucaí. Alguns dias antes da interrupção, convidamos uma pesquisadora especialista no assunto para fazer uma apresentação didática ao vivo e ela explicou os novos hábitos que precisaríamos ter, como lavar as mãos sempre e higienizar tudo. Isso ocorreu numa sexta-feira. No fim de semana, recebemos uma mensagem de que ninguém deveria ir para a redação até segunda ordem. Foi aquela primeira recomendação para ficar em casa por 15 dias. A Ana Maria Braga, apresentadora do programa, era considerada do grupo de risco por conta da idade e porque tratava um câncer na época, então logo no início de março paramos de ir ao ar. Nesse momento, o jornalismo ganhou mais espaço em relação ao entretenimento e criou-se uma demanda por mão de obra nesse quesito.

Foi nesse momento que você migrou para o jornalismo cotidiano?

Sim. As equipes dos programas começaram a disponibilizar profissionais e todos os produtores que trabalhavam comigo foram para o jornalismo. Migrei para o jornalismo, mas segui como produtora. Buscando histórias e notícias para gravar. Trabalhei no “Bom Dia RJ” e no “RJ1”, que é o jornal do meio-dia. Trabalhei uma semana presencial, mas uma semana depois fui para o home-office, porque sou hipertensa e pertencia ao grupo de risco. 

Quais mudanças você mais sentiu ao trabalhar com jornalismo cotidiano em meio a uma pandemia?

Achar pautas era difícil. Todos os assuntos giravam em torno da covid. Ao mesmo tempo precisávamos informar, era necessário ouvir o público. Muita gente falava que tinha parado de assistir jornal, porque não aguentava mais e estava em pânico. Era necessário pensar em pautas que mostrassem a realidade, mas também em outras que trouxessem esperança, exemplos bons e caminhos. Outro desafio foi porque eu fiz muitas matérias sobre pessoas que perderam familiares pela covid, infelizmente. Isso foi muito difícil. Somos meio ‘urubus’, estamos em cima das pessoas quando elas perdem pessoas queridas, importantes, porque a partir da dor delas podemos tocar outras pessoas. Eu tentava convencê-las a partir disso. Em dado momento colhemos depoimentos de pessoas que tinham acabado de perder entes queridos, na intenção de que aquelas mensagens conscientizassem o público da gravidade da pandemia. Alguns até mesmo ainda não tinham conseguido enterrar seu parente, por questões do momento. Achar essas pessoas, convencê-las a falar e pedir para alguém nessa situação gravar um vídeo em homenagem ao falecido não é fácil.

Como você enxerga o papel do jornalismo em meio à explosão de fake news que ocorreu na pandemia?

Um dos princípios básicos de trabalhar com informação é considerar sempre a verdade. Ela até pode ter mais de uma versão, mas nunca pode deixar de corresponder aos fatos como eles são. Se essa é a essência, a base, do trabalho jornalístico, a fake news vai na contramão disso tudo e precisa ser combatida. Na pandemia essa tarefa se tornou ainda mais estimulante, pois a verdade, mais do que nunca, passou a ter o poder de salvar vidas. Vejo a Fake News como uma motivação para a continuidade do trabalho sério em meio a dias tão difíceis e dolorosos. Lembra quando falei sobre o contato diário com familiares de vítimas da doença? Ao pedir os depoimentos para matérias onde apresentávamos o número de mortos, a falta de leitos, a existência de aglomerações… o argumento era exatamente esse: precisamos combater a desinformação, precisamos usar a sua dor para evitar que outras famílias passem pela mesma situação. É só um exemplo prático. Jornalismo é verdade, tem que ser, sempre.

Quais foram os impactos psicológicos ao sair do entretenimento para o jornalismo pandêmico?

Acredito que a diferença maior não foi a de sair do entretenimento para a cobertura jornalística, o mais difícil foi a situação em si. Eu sou naturalmente muito emotiva, me emocionava muito. Eram situações difíceis, como conversar com uma mãe que perdeu o filho. Foram muitas histórias e matérias. Cheguei a produzir matérias para o ‘Jornal Hoje’ nesse sentido. Acabava entrando na vida dessas pessoas, porque não tem como não se sensibilizar. Às vezes alguém com quem tinha gravado uma matéria sobre outro assunto me mandava mensagem à meia noite em uma sexta-feira, dizendo que a vizinha estava na porta de um hospital sem conseguir informações sobre o pai. É impossível ignorar uma mensagem dessa. Perdi o horário de trabalho, porque passava a informação para algum jornalista de plantão e ficava acompanhando depois, buscando saber qual desfecho teve. São vidas. Às vezes, em uma ação, a vida de alguém pode ser salva. Eu me sensibilizava muito. Ao mesmo tempo, tinha uma sensação muito gratificante de fazer parte desse momento histórico e conseguir fazer contribuições sociais através da minha profissão.

A pandemia demandou uma adaptação para o uso do audiovisual ao invés do presencial. Como observa essa modificação?

Foi um desafio vencer a limitação de não podermos entrar na casa das pessoas para gravar entrevistas, fazer filmagens. Em muitas ocasiões, não cabe que a matéria seja apenas a pessoa falando, senão quem está em casa muda de canal. Se eu tenho, por exemplo, uma pessoa falando que passou a higienizar tudo na casa dela, como posso mostrar como ela faz isso sem ter a opção de que o cinegrafista vá até a casa dela e filme? Por isso eu fazia o roteiro e passava as instruções do que precisava que o entrevistado filmasse na casa dele, para enviar para nós e exibirmos na matéria. Também dava avisos do que ele não poderia fazer, como mostrar a marca do leite, quando fosse exibir o leite sendo higienizado. Além de conselhos de como se portar diante de uma câmera, para onde poderia ou não olhar durante a gravação etc. Acredito que acabou servindo de aprendizado para que não exista mais discursos do tipo “ah, não podemos gravar com fulano porque ele mora em Lauro de Freitas, não dá tempo de ir e voltar”. Isso acontece. No dia a dia, às vezes um personagem ‘cai’ por conta da logística, por mais absurdo que seja. Quando você se depara com uma situação que não tem jeito, não pode entrar na casa, você pensa: então deixa o rapaz se filmar.

O programa ‘Mais Você’ volta a ser exibido posteriormente. Foi possível observar mudanças no hábito de consumo por parte do público em relação ao antes e depois do início da pandemia?

Não sei te dizer precisamente. Como produtora, não tenho acesso a audiência em tempo real. Mas sei quais dias foram bons ou nem tanto. Qualquer programa considera a audiência, porque é isso que vai medir o faturamento. A informação é prioridade. Não deixamos de abordar algum assunto porque o público não queria assistir, mas modificamos a forma de falar sobre alguns temas, de modo a deixar mais atrativo para quem consome. Tentamos fazer muito isso no entretenimento: traduzir termos e colocações que são mais difíceis para quem assiste um jornal. Difícil fazer esse comparativo de comportamento do público no Mais Você, porque tivemos mudanças para além da pandemia. Perdemos o Louro José, que era um apresentador, ganhamos quadros novos, mudamos o local do programa. Não tem como te falar sobre mudanças somente com base na pandemia. Seguimos líderes de audiência, então acredito que o público aceitou bem essas modificações.

Como analisa o desafio de levar entretenimento para as casas em meio a uma situação tão trágica?

O desafio de informar continua. Não podemos ignorar que a pandemia está aí. Somente hoje (20/05) recebemos o primeiro café da manhã com a Ana de maneira presencial no estúdio. Temos uma equipe que é testada quase todos os dias. Tivemos muitas mudanças na forma de fazer o programa para que protegêssemos a Ana, que é do grupo de risco, e o restante da equipe. Em relação ao conteúdo, seguimos pensando pandemia na formulação de pautas. No entanto, temos o alerta sobre o que as pessoas querem ver, porque o jornalismo já está muito em cima disso. Quem escolhe ligar a TV e sintonizar no “Mais Você” provavelmente não quer ver algo sobre covid e mortes, mas precisamos falar sobre isso também porque temos uma apresentadora que é muito respeitada. O que a Ana fala tem um peso e é levado a sério, as pessoas respeitam. Tentamos encontrar um equilíbrio. Recentemente a Chrystina Barros, pesquisadora especialista em Covid, foi ao programa para atualizar informações a respeito da pandemia. Tentamos adaptar esse conteúdo a nossa forma de ser e de falar. Há uma preocupação pelo modo que a mensagem será passada, porque do outro lado da tela tem uma dona de casa. É importante que quem assiste saiba como higienizar as coisas, utilizar máscara corretamente, por exemplo. No estúdio da Ana tem uma mensagem escrito “Se puder, fique em casa”, tudo é pensado. São mensagens curtas, que tem o poder de politizar, de dar o recado, mas sem perder a nossa essência, que é muito riso e entretenimento. É um desafio, procuramos avaliar dia a dia.

 

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