Claudio Cordeiro: “O jornalismo é um item de cesta básica na pandemia”

Vinícius Viana

O editor-chefe do telejornal Prime Time, na CNN Brasil, entende que o jornalismo se tornou fundamental na crise sanitária da Covid-19. “A pandemia só aumentou a importância do jornalismo e mostrou como as pessoas precisam desse serviço”. Cordeiro analisa o jornalismo num país politicamente polarizado. “Se você faz um jornal que desagrada os dois lados, então está fazendo um jornal correto”. O jornalista defende o combate às fake news, destaca a influência das redes sociais no jornalismo e apoia a inclusão dos jornalistas no Plano Nacional de Imunizações (PNI), mas apenas os que estão na linha de frente.

1) Você trabalha com telejornalismo há mais de 15 anos. Trabalhou na Record e no grupo Bandeirantes, onde foi editor-chefe do Café com jornal e diretor do Super Poderosas. Atualmente é editor-chefe do Prime Time na CNN Brasil. Como a rotina de um editor-chefe de telejornal nacional foi modificada pela pandemia? Como tem se dado sua relação com os jornalistas que estão envolvidos na produção do programa?

Eu sou responsável pelo jornal Prime Time que vai o ar às 18 horas na CNN. Minha função é pensar o jornal. Tenho reuniões com minha chefia que passa as diretrizes: vamos aprofundar hoje, sei lá, na reforma administrativa; vamos trazer tal entrevistado. Aí, eu sugiro: vamos falar sobre vacina, uma nova cepa que está surgindo; vamos trazer um especialista. A gente pensa e monta o jornal, que acaba sendo minha responsabilidade. Mas eu gosto de ouvir todo mundo: estagiário, produtor, editor, apresentador. Essa troca é fundamental para pensar o jornal e ter todo mundo junto. Não é o jornal que o Cláudio pensou. É um jornal pensado por muitas cabeças. Na pandemia a gente teve algumas mudanças. Parte da produção ficou em casa, trabalhando em home office. O apresentador chegou a ficar em casa também. Eu não tenho como trabalhar de casa. Mudou muito a nossa rotina. Tanto de comunicação, como dessa troca na redação. A equipe conversa muito por vídeo chamada, ou por WhatsApp mesmo. As reuniões virtuais acontecem com mais frequência. Isso mudou muito o jeito de fazer o jornal. Mas a gente se adaptou. Estamos há um ano fazendo o jornal assim. O Prime Time está desde novembro no ar. A gente vai se moldando e se adaptando. Tudo tem corrido bem.
2) Quais aspectos da produção de notícias foram modificados pela pandemia? Há espaço para eles na vida pós covid-19?
A pandemia mostrou que dá para fazer jornalismo usando ferramentas que talvez a gente só fosse usar futuramente. Um exemplo grande, que a gente vê em todas emissoras, e que a gente também faz, é o das entrevistas remotas. A gente entrevista todo mundo hoje por Skype ou Zoom. Hoje se faz jornalismo assim. Por um lado, você ganhou agilidade – não desloca uma equipe, você faz da redação; o processo fica muito mais rápido. Por outro, você perdeu o estar cara a cara com o entrevistado; estar no ambiente dele. Quando o entrevistado é um especialista e você precisa apenas de uma fala dele, isso agiliza muito. Acho que isso vai continuar, mesmo depois que a pandemia acabar. Tem o custo também: deslocamento da equipe, motorista, carro. Acho que dá pra otimizar isso. Vai onde realmente precisa, onde há um personagem específico. Tenho que estar lá porque eu tenho que mostrar ele na casa dele, ele no negócio dele. Se é um especialista e eu só preciso de uma fala pra colocar na matéria, não preciso deslocar uma equipe e marcar um horário. Hoje você entrevista todo mundo. Todo mundo consegue um horário. Eu posso falar agora, vou abrir o Skype, vou gravar e está tudo certo. Acho que isso vai continuar depois da pandemia. É um progresso. Aconteceria mais cedo ou mais tarde, mas a pandemia acelerou. Veio para ficar. É claro que a gente vai continuar tendo matérias nos locais, mas muita coisa vai continuar sendo feita de maneira remota, porque você tem a mesma qualidade, você tem tudo e de uma maneira mais ágil. E o jornalismo pede agilidade.
3) Qual o principal papel do telejornalismo na pandemia da covid-19 e qual o principal desafio para cumprí-lo?

O jornalismo é fundamental, é como um item da cesta básica na pandemia, porque é a principal fonte de informação da população. Não tivemos campanhas de prevenção, de como usar máscaras, de como higienizar as mãos. Não tivemos isso na televisão durante este ano todo.  Não tivemos grandes campanhas para incentivar a população a se cuidar, a manter o isolamento. Isso foi feito pelo jornalismo. As pessoas foram em busca dessa informação principalmente na TV. Então, o jornalismo cumpriu, e cumpre, um papel fundamental nesse momento. A pandemia só aumentou a importância do jornalismo e mostrou como as pessoas precisam desse serviço.  A dificuldade para cumprir isso é a mesma dificuldade que as pessoas tem. Porque você está isolado, tem que tomar cuidados, não pode ir a campo como ia antigamente. Tem que tomar uma série de medidas restritivas para gravar, para ir a um hospital, para buscar a informação. Mesmo assim, você vai se adaptando. Busca outras maneiras de trazer a notícia para o telespectador, que está lá esperando informação sobre a pandemia. E a gente vai vivendo isso diariamente. Acho que o desgaste é viver isso intensamente. Tem hora que você, como telespectador, fala que não quer mais ver e desliga. A gente não. Tem que ver dia após dia. O insumo chega daqui a quatro dias, daqui a três dias. Chegou o insumo. A gente vive aquilo diariamente. A gente está há mais de um ano cobrindo isso e não vê a curva descer. Já estamos com mais de dois mil mortos por dia e isso ainda vai demorar. A gente está vacinando lentamente e vai viver isso ainda mais intensamente. Ao contrário de outros países, como os EUA, nos quais a pandemia está controlada. O cenário já é outro lá. Já muda o noticiário. A pandemia não é mais o principal assunto.

4) O Prime Time é um telejornal diário com enfoque em notícias do cenário político e econômico que impactam a vida da população. Como você tem observado o acirramento das tensões ideológicas no Brasil, tão evidentes nas últimas eleições presidenciais, sob a perspectiva da pandemia?

A gente faz um jornal num momento muito polarizado do país. Você nunca vai agradar ninguém. Eu acho isso bom. Se você faz um jornal que desagrada os dois lados, então está fazendo um jornal correto. Nem de um lado, nem de outro. A gente tem que ser isento. Tem que trazer os dois lados. Mas hoje as coisas estão muito acirradas. A pandemia também trouxe isso. As pessoas estão muito mais ativas nas redes sociais. Elas comentam tudo, minuto a minuto. Se a gente acompanha o jornal, por exemplo, no YouTube, o comentário é ali na hora. A matéria está no ar e a pessoa está criticando ou elogiando. Isso é todo santo dia. A gente tem que estar muito mais atento para qualquer deslize que possa ter. Tem que estar mais precavido e sempre ouvir os dois lados. Hoje fica mais evidente que princípios básicos do jornalismo são necessários, porque você fala para uma massa muito grande e que está muito polarizada. Tudo é motivo para te atacarem ou para causar notícias falsas, às vezes, sobre o que você está vendo, como está sendo feito, como está sendo conduzido. Hoje a gente fica com um sinal de alerta muito mais  ligado. Eu acho que a pandemia e a polarização, nos deixaram mais em alerta.

5) A imprensa tem sido acusada, em sua maioria, de fazer oposição ao governo federal. É possível desvincular a atuação do governo brasileiro da tragédia da pandemia no Brasil? O jornalismo factual pode não ser ideológico?

Na pandemia é impossível fazer um jornalismo e não ser crítico. Impossível porque a gente está num momento em que muita gente está morrendo. Já são mais de 450 mil mortos. Coisas poderiam ter sido feitas e não foram. Não é questão de atacar o governo. É de atacar o que está errado. Você não pode ficar sentado vendo falta de vacinas, ou não ter uma campanha na televisão, e ficar de braços cruzados, vendo uma pandemia acontecendo e gente morrendo. A gente é isento e tem que mostrar os dois lados. Se o lado que está sendo mostrado não está correto, paciência. Essa pessoa, ou esse governo, tem que responder por isso. Como se fizer algo legal, vai ser mostrado também. Acho que se paga um preço pelo que se faz. A gente vive um momento em que é notório que a gente está tratando mal a pandemia. Não tem como a gente mostrar e não se indignar ou não se posicionar. A gente vê outros países vacinando, países abolindo o uso de máscara e a gente não conseguiu vacinar nem o grupo prioritário ainda. Não dá pra gente só mostrar e falar “tá legal”. Não dá pra gente se conformar. O jornalismo tem essa função de ser crítico, de apontar e falar: “e aí, o que vai ser feito?” É preciso cobrar, como tem sido feito. Porém, a gente vive num momento de muita polarização. Quem é cobrado, não vai querer ser cobrado e vai falar que você está se opondo. Se a gente mostra o outro lado, vão falar que você é governista. É muito difícil. Mas, o jornalismo é factual. Ele tem que mostrar e tem que cobrar. Não tem jeito.

6) Em 2020, durante a pandemia, as “fake news” voltaram ao radar da sociedade, com a ampla divulgação de tratamentos precoces para covid-19 e com a campanha antivacinação. A OMS falou em “infodemia da desinformação” e seu diretor-geral, Tedros Adhanon, chegou a dizer que “as fake news disseminam-se mais rapidamente e mais facilmente do que o vírus e são igualmente perigosas”. Como o jornalismo tem enfrentado o combate às fake news na pandemia?
O jornalismo na pandemia virou item essencial porque foi fonte de informação sobre tudo relacionado à doença, que era novidade pra todo mundo. A população aprendeu sobre o vírus e as vacinas, a como lidar com as mortes, com o fechamento, com o isolamento e com lockdown, através do jornalismo. Tudo isso foi sendo feito diariamente. E nisso vem as fake news. O jornalismo é de fundamental importância no combate às fake news. Quando tentaram, lá atrás, não divulgar o número de mortes, os jornalistas e as empresas se uniram e criaram um grupo para fazer a contagem. Teve uma hora que o governo não quis mostrar o número de mortos. Então, na pandemia, o jornalismo virou item básico mesmo, de prestação de serviços. As pessoas aprenderam com a TV a usar máscara. A Globo colocou um programa no ar sobre o coronavírus. Chegou a CNN, num momento importante de pandemia, e foi mais um canal para as pessoas se informarem de maneira correta. O jornalismo na TV é a principal fonte de informação para população. Sem dúvida nenhuma, o jornalismo é de extrema importância para acabar com as fake news, para mostrar o que é mentira. As fake news são maiores que o vírus.  Nessa pandemia, elas atrapalharam demais, e continuam atrapalhando.
7) Duas pesquisas do Instituto Reuters, realizadas em seis países (Reino Unido, EUA, Espanha, Alemanha, Coreia do Sul e Argentina), para a Universidade de Oxford, divulgadas em 2020, demonstraram o “rally de notícias” que ocorreu no período e fez subir a audiência de quase todas as fontes pesquisadas. O destaque foi para a TV, apesar dos veículos on-line também terem crescido. Como editor-chefe de um telejornal nacional você tem observado esse crescimento na audiência? Como você o justifica?
A audiência cresceu durante a pandemia porque as pessoas ficaram mais em casa e porque tinham sede de descobrir o que estava acontecendo no mundo, com esse vírus que afetou a vida de todos. A audiência de muitos canais dobrou, triplicou. A CNN chegou nesse momento de pandemia e isso deu visibilidade ao canal. Foi bom. As pessoas ganharam mais um canal de informação, que noticiou a pandemia 24 horas. E continua noticiando porque ainda é o assunto carro-chefe de todos os canais. Ainda somos um dos principais países que lidam com a doença. Ao contrário dos EUA, por exemplo, em que a notícia da pandemia já não está mais abrindo o jornal ou está no principal assunto da escalada do jornal. Teve um crescimento muito grande na audiência porque a TV virou companheira de todos que estavam em casa, por isolamento ou porque estavam de home office.
8) O Brasil tem 134 milhões de usuários de internet, segundo a pesquisa TIC Domicílios, divulgada pelo IBGE, em 2019. Isso representa pouco mais de 80% da população brasileira. Na pandemia, essa realidade cibernética acelerou mudanças que já estavam em marcha, como a digitalização, a migração das receitas publicitárias para as plataformas digitais e a competição por audiência com as redes sociais. De que maneira o telejornalismo tem se modificado em função das redes sociais?

O jornalismo tem se modificado muito em função das redes sociais. Hoje, você faz o jornal na TV e ele é comentado no YouTube. Ele está no YouTube e é comentado. Matérias da TV vão para o Instagram, vão para outra rede social, vão para o Twitter. Você ganha público de todos os lados.  Isso acelera muito o processo da pessoa ver o que quer, na hora que quer e onde quer. Eu quero ver pelo YouTube, que eu paro, consigo voltar a notícia anterior, consigo ver no meu momento, do meu jeito. Isso acelerou demais, modificou muito. As pessoas estão mais conectadas. A gente percebe isso muito. Você faz jornal com rede social. É instantânea a resposta do público. Ainda mais no momento de polarização que a gente vive. E as emissoras, as empresas, estão se atentando para isso cada vez mais. Estão investindo na rede social, no streaming, que é uma plataforma importantíssima. E, claro, tem um mercado aí com uma receita publicitária também. Mas são veículos diferentes, são meios diferentes. Você não pode pegar o jornal que você faz para TV, espelhar numa outra plataforma e achar que vai dar certo. São linguagens diferentes. Como você fala na rede social, é diferente de como você fala na TV e no Twitter. As empresas, os jornalistas, todo mundo está se adaptando. É muito desafiador fazer várias mídias e falar com públicos totalmente diferentes.

9) Segundo dados da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), o Brasil é o país com mais jornalistas mortos em decorrência da pandemia no mundo. Em 2020 foram 78 profissionais mortos pelo coronavírus e, apenas no primeiro trimestre de 2021, já são 86 mortos. Nesse sentido, a FENAJ lançou, neste 21 de maio, um abaixo-assinado digital pela inclusão dos jornalistas no Plano Nacional de Imunizações (PNI) contra a covid-19. Como você vê esse pedido?

A gente tem vários casos de jornalistas que, por estarem trabalhando, ou se infectaram ou morreram. O jornalista está no hospital, está entrevistando uma pessoa, está indo cobrir um velório, está indo num cemitério, está muito exposto e em risco. O jornalista que está na linha de frente precisa estar incluído no PNI. Eu penso da mesma maneira para os profissionais de saúde, apenas os da linha de frente. Não dá pra você generalizar e vacinar todo mundo. Tem gente trabalhando em casa, que não está exposto a nada e que apenas por ser profissional de saúde se vacina. Gente que está atendendo virtualmente seus pacientes. No meu caso, eu não precisaria ser vacinado. Por mais que eu vá à TV, eu não estou indo ao hospital. O repórter tem que ser vacinado, o cinegrafista tem que ser vacinado, o motorista tem que ser vacinado. Eles estão na rua todo dia. Todo dia um repórter está com suspeita de covid porque o cinegrafista teve covid. Aí, a equipe inteira para, porque todo mundo teve contato com esse cara. Isola todo mundo. Não dá para você falar “se você tem diploma de jornalista, pode vacinar”. Tem jornalista que é assessor de imprensa, que está em casa. Os produtores da CNN estão trabalhando em home office e não precisam vacinar agora, na minha opinião. Porque aí você aumenta os prioritários, não anda com a fila e a população que realmente precisa ser vacinada, não é vacinada.

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