Sandra Coutinho: “O papel principal do jornalista nesta pandemia foi quebrar a barreira do negacionismo”
Nicolle Pereira
Correspondente da TV Globo em Nova York, Sandra Coutinho ressalta que durante a pandemia o jornalista profissional precisou ficar mais atento ao processo de apuração. “Tem muita coisa que parece verdadeira, mas uma pequena distorção que você reproduz, já é grave o suficiente para que seu trabalho não seja mais confiável”, afirma Coutinho. Jornalista correspondente há mais de 10 anos, lembra que durante a pandemia muitas cenas foram difíceis de testemunhar e que este período trouxe um novo desafio, o home office. Sem a troca na redação, a rotina precisou passar por algumas mudanças: “Agora usamos um sistema, por exemplo, que enquanto eu escrevo, o editor de imagem vai acompanhando em tempo real”.
Qual foi o principal papel do jornalista correspondente durante a pandemia e quais foram os principais desafios?
O escritório de Nova York inteiro, quase de um dia para noite, virou um escritório remoto. Ficar completamente desligado da redação, ver coisas difíceis, duras de testemunhar e, ter aquela impotência de saber que no fundo sua única função ali é reportar para mostrar ao mundo o que está acontecendo de fato, foram os principais desafios. O papel principal do jornalista nesta pandemia foi quebrar a barreira do negacionismo. Tanto aqui nos Estados Unidos quanto no Brasil, teve uma onda de negacionismo muito grande relacionado à pandemia, e isso era muito grave. Pessoas achavam que não precisavam usar máscaras e ainda tem quem questione a vacina. Até hoje os Estados Unidos têm uma resistência muito grande em relação à vacinação. Foi difícil explicar o que de fato estava acontecendo, porque até hoje não se sabe tudo sobre o vírus. Acho que tivemos um papel fundamental para as pessoas entenderem o jornalismo profissional como uma base sólida para saber o que de fato era verdade naquele momento.
Em relação ao seu dia a dia, foi preciso reajustar a rotina por conta da Covid-19? O que mudou?
No dia 16 de março de 2020, algumas pessoas já foram encaminhadas para casa, dentre elas eu, porque tenho uma doença autoimune e tomo um imunossupressor, que diminui meu sistema imunológico. No dia seguinte, ou dois dias depois, acabou que todos foram para casa. Eu acho que o jornalismo, principalmente o de televisão, você não faz nada sozinho. As grandes coberturas são feitas em equipe, o cinegrafista às vezes enxerga algo que você não está vendo, por exemplo. Então durante a pandemia a comunicação ficou muito diferente. Você levantar da sua mesa e ficar ao lado do editor e, junto com ele amarrar o texto, é muito diferente. Até hoje sentimos falta dessa troca na redação, porque ainda estamos em home office. Passamos a usar ferramentas para poder nos integrar nesta nova realidade. Agora usamos um sistema, por exemplo, que enquanto eu escrevo, o editor de imagem vai acompanhando em tempo real. Talvez a gente nem abandone isso quando voltar para redação, porque facilita.
Durante este período, muitas pessoas aproveitaram para disseminar fake news e promover desinformação em relação a Covid-19. O processo de apuração precisou ter um cuidado maior?
Acho que sim, agora o jornalismo profissional tem que estar mais atento. Eu defendo uma coisa que aqui no exterior é ainda mais difícil, que é ter fontes. A gente não pode confiar só no que a gente lê na internet. Ao invés de você confiar só na agência de notícias, seja a testemunha ocular do que está acontecendo. Vá para rua olhar, tenha uma fonte que você possa ligar e, cheque sempre o que você puder com a fonte primária daquela informação. Nesta pandemia vimos como é perigoso repassar uma informação. A fake news nasce justamente disso, da não checagem das informações. Eu acredito que todos os jornalistas profissionais ficaram mais criteriosos. Tem muita coisa que parece verdadeira, mas uma pequena distorção que você reproduz, já é grave o suficiente para que seu trabalho não seja mais confiável.
O fato de ser jornalista de um país como o Brasil, que em muitos momentos se destacou negativamente no combate da Covid-19, gera que tipo de acolhimento e receptividade no seu trabalho e na condução de matérias?
O que a gente sente no exterior é que nós somos de um país periférico. A gente, como jornalista, não sofre preconceito. Em geral, as pessoas são solidárias, e comentam por exemplo “nossa, como está difícil a situação da Covid-19 no Brasil” ou “nossa, quantos problemas no governo”. As pessoas em geral são solidárias e entendem que a gente não é parte disso, muito pelo contrário. Ser de um país menos importante que os países europeus, é o que nos dificulta o acesso a determinadas coisas, e não o fato do Brasil não estar lidando da forma correta com a pandemia.
Há espaço para agendamento e proposição de matérias além das demandadas pelos editores? Esta dinâmica passou por alguma mudança durante a pandemia?
Tem os dois lados. Tem muita demanda vinda no Brasil, principalmente o que a gente chama de ‘hard news’, a notícia do dia, como as do Jornal Hoje e Jornal Nacional. Mas também sugerimos muitas pautas, o problema é ter espaço para as nossas sugestões que nem sempre acontecem. Às vezes as questões da pandemia ou da política no Brasil tomam tanto tempo do jornal que a gente acaba tendo pouco espaço para as nossas pautas. As demandas dos jornais são bem específicas, e durante a pandemia, talvez pelo volume de notícias do Brasil, houve até um pouco menos de liberdade. Eu acho que o auge no nosso espaço foi quando Nova York passou pelo pior momento da pandemia. Mas sim, tem espaço e vem dos dois lados.