Ailma Teixeira: “A imprensa precisa fazer cobertura mais aprofundada e dedicada, para além dos números”

Mariele de Jesus

Ailma Teixeira, repórter de política do Bahia Notícias por 4 anos, considera falta de iniciativa da imprensa baiana ao cobrir com mais profundidade a pandemia. “Eu fui percebendo que a gente acaba sendo bastante induzido pelos números oficiais, tem pouca cobertura que vai além do que a prefeitura diz.” Ao opinar sobre a perspectiva do jornalismo no pós-pandemia, a jornalista afirma: “A pandemia de Covid-19 ajudou a reforçar o quanto nós jornalistas somos essenciais à sociedade.” Mas ela ressalta não saber se essa é a opinião da audiência.

A pandemia implementou diversas mudanças no mercado de trabalho, entre elas a implementação do home office. Como foi o seu processo de adaptação a essa nova modalidade? Para mim foi fácil, porque felizmente eu não tenho filho, eu moro com a minha avó. Então não precisava eu mesma ir fazer minha comida durante o trabalho e não tinha essas dificuldades que muita gente enfrenta. Uma dificuldade para mim foi a internet, sempre foi horrível, bem complicada a conexão aqui na minha casa. Isso foi um problema, porque na prática, não deveria ser assim, mas na maioria dos lugares a gente sabe que você tem o home office e a empresa não te dá estrutura. Então assim, é a sua ergonomia, é a sua internet, “se vira aí”. Fora isso [internet instável] eu me adaptei muito bem. Eu lembro que quando começou [a pandemia], em março do ano passado, eu não fiquei em home office direto, lá no Bahia Notícias, na época, eles deixaram a editoria de política na redação, que era maioria, e as demais em casa. Isso durou pouco, e aí depois estabeleceram rodízio. [O home office] me deu a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar, hoje trabalho no IG sem precisar se mudar para São Paulo.

Estabelecer o equilíbrio entre os assuntos relacionados à Covid-19 e outros assuntos também de interesse público, foi difícil para você? As notícias se colocam. Então assim, hoje em dia, se você reparar em qualquer portal, a cobertura da Covid é muito menor. Às vezes, você procura informação e o que você vai ter todo dia são os casos do boletim da Sesab, é fato que vai sair, o esquema de vacinação do dia seguinte daqui de Salvador. Hoje não tem mais cobertura intensa. No ano passado, especialmente nos primeiros meses de pandemia, todo mundo a cobria, porque era um assunto em voga, só o boletim da Sesab gerava várias notas além dos dados do dia. No auge da pandemia, principalmente no ano passado, a gente tinha um esfriamento da política, porque em público os políticos evitavam discutir política, porque não era a hora, exceto quando chegaram as eleições. Fazendo uma autocrítica à imprensa, falta iniciativa de se cobrir com mais profundidade, porque a pandemia ainda está em voga. Mas porque outros assuntos vão aparecendo, esse vai sendo tratado como menos importante. Então a gente não tem mais a mesma atenção dada, inclusive acho que se deveria dar mais espaço à discussão sobre a pandemia, mas a gente não dá. É um movimento normal, porque as notícias se colocam a partir do contexto em que se vive.

Em junho de 2020 o Ministério da Saúde mudou o formato de disponibilizar o total do número de infectados e mortos por Covid-19 e passou a divulgar apenas os dados registrados no dia anterior. Como você percebe a relação entre a forma como esses dados passaram a ser noticiados e a confiança dos cidadãos? Gerou uma grande desconfiança e desde o início o Ministério da Saúde tem uma atuação complicada em relação à divulgação de dados. Ninguém vai dizer que aquele trabalho é fácil de fazer, porque não é, mas eu acho que foi um impacto negativo quando eles [Ministério da Saúde] mudaram [o formato], gerou uma desconfiança na população e também na imprensa, que vai mediar esse papel [de disponibilizar os dados]. A imprensa naquele momento fez o que já deveria ter feito antes, que é criar seu próprio mecanismo de contabilização [dos dados]. Então, por ser um trabalho realmente enorme, se montou ali um consórcio com alguns dos principais veículos nacionais, que têm suas credibilidades. Eles apuram nas secretarias estaduais e divulgam. Passa a se ter fontes de informação diferentes, elas não divergem muito dos dados, mas foi uma reação da imprensa que de alguma forma já ajudou a rebater uma possível intenção do Governo, em minimizar alguns dados e atenuar algumas situações, como o presidente faz ao dizer que a Covid é apenas uma gripezinha. O consórcio de imprensa divulga os dados dois horários por dia e o CONASS uma vez, essa diversidade de fontes contribui para o nivelamento de que o dado é confiável.

Durante a pandemia da Covid-19, houve uma intensa propagação de fake news. Você sentiu que os leitores do veículo de comunicação em que trabalha, intensificaram o consumo de notícias, a fim de testificar a veracidade das informações? A Tv e os jornais ganharam muito em audiência com a pandemia. Eu acho que isso reflete um público mais interessado em querer tentar entender o que estava acontecendo, eram muitas coisas novas. Até hoje a gente não tem respostas para muita coisa, mas a gente já entende melhor o vírus, o funcionamento, a transmissão, os sintomas, as sequelas, mas foi tudo chegando no boom. Hoje em dia, isso já não se reflete mais, porque a pandemia refeceu. As pessoas estão mais cansadas em falar sobre a pandemia. Isso tem a ver com o tempo da pandemia sendo uma realidade e hoje a gente vive um momento de, em tese, uma melhora nesses índices da pandemia. Os números triviais da Covi-19 influenciaram a normalização da audiência.

Até mesmo a vacina foi alvo de fake news e muitas notícias falsas indicaram remédios ineficazes contra Covid-19. Você acha que o jornalismo nacional conseguiu desempenhar, satisfatoriamente, a função de informar a sociedade e desmentir essas informações falsas? O jornalismo, quando bem feito, não vou dizer que é sempre não, acho que muitas vezes a gente peca e morre no declaratório, da declaração bombástica, sem muito esclarecer e contextualizar os equívocos e o porquê é errado e inconsequente. Mas quando bem feito, ele cumpre seu papel de explicar o porquê aquela declaração é falsa, não corresponde com a realidade e de trazer a voz da ciência. Agora eu não sei se é satisfatório, porque eu percebo, não com um olhar especialista sobre isso, que a gente tem disputado um espaço menos com desinformados e mais com cínicos. O que quero dizer com isso é que, me parece, que não basta esclarecer o porquê é falso e trazer argumentos, dados e contexto, a informação real, porque as pessoas acreditam no que as convém. As fake news têm obrigado os veículos – que se assumem como profissionais -, a fazer um trabalho de ir além de explicar e publicar uma declaração incoerente de Bolsonaro ou de qualquer outra figura política.

No cenário atual, permeado pelo discurso de ódio e pela crescente desinformação, na sua perspectiva, qual o maior desafio enfrentado pelo jornalismo na pandemia? Falando de onde estou hoje, trabalho no IG, não sei se um desafio… o que percebo é em relação à estrutura de trabalho de onde trabalho e de onde trabalhei, no Bahia Notícias. É a dedicação de repórteres para cobrir o assunto além do que a gente recebe como pauta. Vou te dar um exemplo, quando eu trabalhava no Bahia Notícias, uma observação que eu fazia, não só do BN, mas da imprensa da Bahia no geral, a gente durante muitos meses cobria os dados da pandemia, sequelas, focos de transmissão. Até que em determinado momento o prefeito ACM Neto anunciou que ia poder reabrir o comércio se chegasse até tantos porcentos de ocupação. Naquele momento ele agendou a imprensa e o assunto de interesse principal de todo mundo era chegar na taxa tal de ocupação. A gente ficava cego só para isso. Eu fui percebendo que a gente acaba sendo bastante induzido pelos números oficiais, tem pouca cobertura que vai além do que a prefeitura diz. O que falta é a imprensa fazer uma cobertura mais aprofundada, mais dedicada para além dos números que a gente recebe. Eu acho que os veículos nacionais foram os que melhor cobriram a pandemia. O jornalismo precisa ir além do que as verdades querem dizer e mostrar.

Qual o papel dos jornalistas na construção e na manutenção de uma sociedade mais democrática? Fundamental. A gente tem um papel importantíssimo, porque nós temos acesso, audiência e autonomia. Quando a gente comete erros, comete um trabalho mal feito, isso tem repercussão. Então nosso trabalho precisa ser vistoso, com muita responsabilidade, profundidade, coeso e trazer à luz para o público tudo que é de interesse, porque é graças ao jornalismo que temos acesso à informação. Informação pública não é informação publicizada. Então é um papel de imensa importância que a pandemia reforçou e ajudou a reconhecer, é tanto que a audiência aumentou.

Diante dessa realidade de desconfiança social em relação ao jornalismo e à veracidade das informações, como você analisa o cenário pós-pandemia? Eu acho que o que pode mudar no jornalismo são as empresas, enquanto marca, utilizarem a pandemia para reforçar a importância de suas empresas e de seus papéis enquanto jornalismo profissional. Não sei se para a sociedade a conclusão é a mesma. Mas a mudança que eu vejo é estrutural, a pandemia nos mostrou que podemos fazer jornalismo à distância, embora não ache que seja o melhor jeito. Em relação à importância do trabalho, a pandemia ajudou a reforçar o quanto nós somos essenciais à sociedade, mas eu não sei se essa é a opinião da audiência. Jornalismo acontece na rua. Não ir até ela se perde muito.

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