Força e Doçura

Foto: acervo pessoal.

Por Anne Meire Cardoso

Em 2013, na região de Euclides da Cunha, durante o processo de demarcação das terras do povo Kaimbé, uma criança, aos 11 anos, de cabelos negros, lábios grossos e olhos amendoados tinha acabado de ser presenteada com uma câmera fotográfica. A garota – sem entender ao certo o que lhe movia – começou a documentar todo o processo que seu povo estava passando.
Em 2022, Graziely Oliveira, a menina que não é mais tão menina, aos 20 anos conta como nasceu naquele momento uma nova militante do movimento indígena, amante do audiovisual. Hoje, como estudante de Jornalismo da UFBA, enxerga a luta precoce como uma ruptura na infância. “Fiz uma coisa que não era um trabalho que eu deveria ter feito. Enfim, entrei para o movimento muito cedo”, conclui desviando o olhar.

Comunicadora indígena
A recepção calorosa é a primeira impressão durante o bate-papo. Os mesmos olhos que se abrem ao mostrar sua alegria natural, se fecham ao lembrar de algum momento nostálgico, reviram ao falar sobre fotografia, ou simplesmente se cerram ao falar de Bolsonaro. É difícil capturar todas as inúmeras expressões da geminiana assumida. No entanto, é notável a satisfação ao falar do seu trabalho com comunicação no movimento Mupoiba. “Eu tenho um sonho de dar visibilidade aos indígenas do jeito que eles merecem!”, manifesta.
Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Sergipe, Alagoas. Já visitou a trabalho tantos estados brasileiros que fica confusa ao contar até onde a sua função como comunicadora indígena a levou. A respeito dos efeitos emocionais de participar da luta dos povos nativos na atual situação do país, é direta. “Eu estou tão calejada que hoje em dia acho que nada mais me abala”, enfatiza. Ano passado durante um acampamento em Brasília relatou os assédios morais sofridos por mulheres indígenas em manifestações. “Muitas vezes não podemos debater porque representamos algum tipo de movimento. Em outras, tacamos o foda-se e debatemos com deputado, não importa o partido”, exclama. Grazy, como é apelidada pelos mais próximos, foi criada pelos avós na aldeia de seu povo no norte do estado da Bahia. É transparente ao dizer que é um privilégio crescer em uma aldeia. Compassiva, explica que muitos indígenas precisam sair em busca de melhores condições de vida. “Ninguém sabe o que passamos de verdade”, desabafa.

Família e ancestralidade
O longo cabelo preto, seu aspecto físico favorito, é enrolado por minutos a fio em seu dedo indicador na hora de falar sobre sua mãe. Grazy nasceu quando ela tinha apenas 15 anos. A filha é a maior admiradora da mulher que hoje é pedagoga e mestranda pela UNEB.
Falar sobre sua relação com seus avós e bisavós a domina de alegria completamente. “São tudo na minha vida!”, vibra. Orgulhosamente, conta que conviveu com quatro bisavós, as mães e os pais dos seus avós maternos. Relação ancestral, não apenas com seus antecessores, mas com outros anciãos da aldeia são fartas as memórias afetivas. “Quando eu era pequena eu corria pra casa das pessoas mais velhas só pra ouvir histórias e lendas. Eu amava, era umas das partes que eu mais gostava”, diz com um grande sorriso. Aos pais de sua mãe, atribui suas maiores qualidades. “Minha avó me ensinou muita coisa sobre resistência, sou muito transparente. Herdei isso graças a ela. Meu avô é a pessoa mais tranquila e compreensível, meu otimismo vem dele, mesmo com todas as dificuldades que eles enfrentaram.”, frisa.
Graziely Oliveira Kaimbé reúne em si a força de lutar pela sua etnia, sem perder a fé nas pessoas. Mantém os pés firmes ao chão, mesmo sendo fonte de admiração das crianças de sua aldeia. “Tive que tomar responsabilidade muito cedo, vejo meus colegas que não são indígenas falando: fiz isso porque é meu maior sonho. Quando somos indígenas não temos muita opção não. Ou seguimos isso ou temos todos nossos direitos violados!”, exclama. Ao concluir, entende que aos poucos está se permitindo sonhar e quer que a nova geração do seu povo não tenha que pensar tanto em sobreviver.

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