João França: “Não estamos pensando no podcast como uma forma de construção ambivalente e isso talvez seja um erro”

Israel Risan

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Na tentativa de fortalecer o rádio através do digital João França, 24, produz, roteiriza e apresenta o podcast Altos Papos, um novo formato disponível nas principais plataformas de streaming de áudio, além dos habituais bate-papos do programa na rádio Princesa FM de Feira de Santana. “São estratégias que estamos traçando para tentar fortalecer um programa que tem uma proposta mais digital para um meio tradicional”, explicou. Com experiência em televisão, rádio, assessoria e no impresso, João se encontrou jornalista sobretudo pela vontade e sede de comunicar e por se descobrir alguém que queria muito dizer determinadas coisas. “Me encontrei enquanto profissional e estou querendo continuar me encontrando, mas agora com um olhar mais voltado para quem sou e como funciona o mundo que está à minha volta a partir das minhas identidades. Sou alguém que tem sede de justiça, apaixonado por liberdade, e que encontrou muito disso no Jornalismo”.

Mesmo imaginando que iria traçar outro caminho, a sua história com o jornalismo já existia antes desta auto descoberta. Quando e como isso aconteceu? Na escola tive experiências que me ajudaram muito. Foi a primeira vez que ouvi falar em lead, por exemplo, e isso é uma experiência que a maioria dos meus amigos não teve. Apesar da minha educação institucional ter sido toda em escola pública, no Ensino Médio peguei uma disciplina que trabalhava com gêneros textuais. Começamos a trabalhar com notícia, lead, título. Em casa eu também tinha algumas bases. Tinha a possibilidade de questionar. Essa construção de família, de contato, de questionamento, de falta de opressão, aliada à educação que tive na escola me ajudou muito. No início, essa coisa da criatividade, de fazer teatro… Essas experiências na escola me empurraram a acreditar que na publicidade e propaganda iria conseguir viver isso. Queria Publicidade, mas não encontrei vaga nos lugares que queria. Fui fazer Jornalismo e descobri que no Jornalismo consigo usar essas ferramentas de forma criativa também em outros espaços. Então essa descoberta de ser jornalista aconteceu a partir da faculdade.

Agora você está trabalhando no rádio. Como você se encontra no rádio e quais são as diferenças entre o trabalho como radialista e as suas experiências anteriores? A televisão foi a experiência mais profunda de trabalho jornalístico que já tive. Foi o que me fez perceber como deve funcionar uma estrutura organizacional para a produção de notícias. O rigor da apuração, a rotina de trabalho, os processos que funcionam em cadeia, onde cada um desempenha uma função para que seja construído um produto. Trabalhava como produtor, pensava na matéria, fazia os contatos, apurava as informações, mas só isso não era suficiente para que tivesse a notícia pronta. Eu precisava do repórter na rua, precisava do editor de texto para revisar o texto e construir uma lógica, precisava do editor de imagem para fazer a conexão entre texto e imagem, precisava do cinegrafista. É um trabalho compartilhado e isso me deu uma dimensão muito legal do que é o jornalismo. Quando fui para o rádio tentei utilizar esses princípios nesse novo formato de fazer notícia. Mas é muito diferente! É diferente porque a configuração de um programa de rádio é diferente da estrutura de um programa de televisão. O explicar, o narrar é diferente. Muitas vezes a linguagem também é diferente. Senti dificuldade especialmente com algo que vai para além dessas estruturas, com a forma de pensar o trabalho num ambiente que funcionava diferente e que existia uma mentalidade própria já estabelecida. Precisava pensar como fazer um programa que ia ocupar um horário nobre da rádio e substituir um espaço em que antes era transmitido um programa para um público religioso. Um público que estava ali para ouvir pregações e músicas católicas. Mas o rádio te ajuda a quebrar formatos que a televisão ainda defende, aquela coisa engessada. Então está sendo um processo de repensar formatos e formas de se comunicar com assuntos atuais para trazer o público para o programa. Quero que meu público seja um público jovem, mas como eu vou fazer essa separação? Isso é desafiador, mas é gostoso porque aponta caminhos possíveis para fazer diferente.

Então o horário do programa acaba influenciando nos temas que vocês trabalham. Existe algum critério para a escolha desses temas e de quem vocês irão entrevistar? Propomos ajustes de critérios a partir também da vivência. Esse é um projeto de programa jornalístico em que não se queria necessariamente noticiar os assuntos da cidade, porque o idealizador sabia que outros programas já faziam isso. Como os programas da rádio são terceirizados, cada um segue a sua linha. Claro que tentando obedecer a uma lógica, ao perfil da rádio, mas cada um pauta os assuntos que bem entende, são independentes. Foi pedido que esses assuntos fossem discutidos com pessoas que fizessem parte da universidade, que tivessem um nível de instrução maior. Geralmente nós discutimos assuntos nacionais ou estaduais que atravessam nosso cotidiano. O perfil do programa tem esse viés. Tudo é pensado estrategicamente de acordo também com o horário do programa. Das 17h até as 19h. É um período de rush, as pessoas estão saindo dos seus trabalhos. Geralmente as pessoas escutam a rádio no carro nesses momentos, então o tempo das entrevistas é pensado para dar conta desse deslocamento. Sempre pensando nessa coisa do trânsito.  Discutir transporte, questões que envolvam os trabalhadores, motoristas, entregadores por aplicativo estão sempre no nosso radar porque esse público consome o nosso produto. Ao mesmo tempo tem o desafio do público que já escutava esse horário e nossa tentativa de trazer um perfil diferente. Nisso o podcast, por exemplo, é bem estratégico.

Mas porque sair do comum (do programa de rádio) e transformar isso num podcast? Primeiro nós pensamos em ocupação de espaço. O programa acontece num veículo tradicional e tem um portal de  notícias com o mesmo nome. Mas entendemos que as redes sociais seriam uma ferramenta muito poderosa para nos tornar conhecidos. No início começamos a gravar as entrevistas e disponibilizar nas plataformas de áudio, mas percebemos que não ficava interessante. A gente tem esse espaço. Esse espaço está crescendo. Como vamos fazer? Pensar um conteúdo especificamente para este formato. Foi estruturado um modelo que tem um tempo geralmente maior do que no rádio e uma organização que tenta dialogar com o público. É um podcast semanal, com notícias frias, mas que se relacionam com o tempo em que os episódios são gravados. A abordagem que é dada hoje ao podcast, apesar de parecida, é diferente da abordagem que é dada no rádio. O público que está escutando é diferente, então a linguagem pode ser diferente. Nos sentimos muito mais livres nas plataformas digitais para poder pautar determinados assuntos. A plataforma me dá a possibilidade de atrair quem quer falar daquilo.

Então o podcast, esse formato, é totalmente independente da Princesa FM? É totalmente independente. Ele é todo do Altos Papos.

Durante essa transição entre os dois formatos, você sentiu que precisou de alguma adaptação ou ferramentas das quais não tinha habilidade? Ainda estou na fase de aprendizado de gravar o podcast. Toda a equipe está. Por exemplo, a proposta que queríamos com o podcast era uma conversação mesmo, mas eu ainda tenho a mania de querer roteirizar tudo que vou fazer, algo que aprendi na televisão e vi que funciona. O roteiro é necessário para fixar as informações essenciais e o formato do produto. Mas chega o tempo em que a estrutura já está aprendida, a conversa fica mais fluida, leve. Se assemelha a um bate papo entre amigos. Foi necessário deixar a conversa mais próxima, sem tantas amarras. Isso passa por temas, linguagem e abordagem. Ainda existem muitas coisas a serem mudadas e aprendidas, mas estamos indo num ritmo de produção interessante.

Como vocês sentiram essa aproximação com o público? Está funcionando? Não consigo medir essa interação pelo podcast. Estamos tentando construir um público. Isso passa pela escolha dos assuntos e abordagem que nós damos. Falamos de assuntos que estão na discussão deste público na internet. Pelo Spotify consigo ver os acessos, vejo que está crescendo, mas não consigo ter um feedback exato sobre isso. Não consigo interagir com esse público através da plataforma.

Como acontece essa interação com o público de um ponto de vista de troca? Ele tem participação no podcast de uma forma mais ativa e pode sugerir pautas ou dar um feedback mais direto sem ser pelas métricas da plataforma? O Instagram do programa é como se fosse o ponto de conexão entre o podcast, site e programa de rádio. O contato todo é pelo Instagram e funciona. Não estamos pensando o podcast como uma forma de construção ambivalente e isso talvez seja  um erro. Por exemplo, sabemos que o nosso público no Instagram é muito jovem e percebemos que quando o conteúdo é voltado para essas pessoas temos um resultado melhor. Mas o foco do nosso podcast não tem sido tratar necessariamente desses assuntos. Temos um viés de pensar problemáticas sociais que o público, muitas vezes, não demonstra querer debater. É um processo também de construção de audiência. O podcast tem oito meses, é ainda um projeto em fase experimental. Cabe pensar num formato em que se consiga engajar essa discussão. Como é que eu vou pegar um material de áudio e distribuir numa outra plataforma que é de imagem estática ou vídeo porque a plataforma de áudio não me dá essa possibilidade de interação? É algo a se pensar. Mas o podcast passa também na rádio para justamente chegar nessas pessoas.

Você diria que o podcast sozinho não se sustentaria? Ele se sustenta sozinho, de uma forma geral. Mas precisa de estratégia para chegar até o público. Como trabalhamos a partir do rádio, apesar de ser independente, a sustentação só do podcast é mais difícil, mas funciona. As outras ferramentas facilitam demais pois distribuem para outros espaços, então não tê-las dificultaria.

Tem algo sobre o Altos Papos que não conversamos que você gostaria de considerar? Estamos tentando fortalecer o rádio através do digital. Já fizemos entrevistas através de live no Instagram transmitida na rádio. Quem está assistindo sabe que é o programa Altos Papos, que passa na Princesa FM, das 17h às 19h, mas está acompanhando aquela entrevista especificamente nas redes sociais. É uma live compartilhada do Instagram do Altos Papos com a conta do entrevistado. O bate papo acontece no Instagram, ao mesmo tempo em que o áudio que vem da live é transmitido na rádio. Quem consome isso? O público do entrevistado, o público do Altos Papos e os ouvintes da Princesa FM ao mesmo tempo. São estratégias que estamos traçando para tentar fortalecer um programa que tem uma proposta mais digital para um meio tradicional. Trazer essa dinâmica, essa forma de conversar, que já existe e acontece bem nas redes sociais, para um outro ambiente que tem outras complexidades.

Então acaba sendo um trabalho simultâneo em todos os formatos que vocês conseguirem e para todos os públicos que conseguirem atingir? Exatamente isso. A entrevista da rádio vira matéria do site, que pode dar a oportunidade de se pensar numa outra abordagem para o podcast. Ao mesmo tempo que o podcast traz os ouvintes para a nossa rede social, para consumir um conteúdo que advém do programa. Estamos tentando construir esse público a partir de uma interação entre o tradicional e o digital.

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