As idas e vindas dos Barris

As idas e vindas dos Barris

Boêmio ou comercial? Fomos à fundo em busca das histórias que explicam as grandes mudanças em um dos bairros mais característicos de Salvador.

Estação da Lapa às 8h da manhã

MOVIMENTO

Caso você pergunte pela cidade qual o lugar mais movimentado durante a semana, muitas pessoas dirão que é a Avenida Tancredo Neves. Para outras, com certeza, é Itapoã. Porém, também terão aquelas pessoas que vão apontar a Lapa como pico central de trânsito humano no dia a dia do soteropolitano. E é aqui que começa a nossa jornada de conhecimento pelos Barris.

Inaugurada em 1982, a Estação da Lapa foi feita com o intuito de ser o principal terminal rodoviário da cidade. Sua localização estratégica e o alto fluxo comercial são características que garantem esse título, almejado desde o momento da sua idealização. São mais de 130 linhas de ônibus que atravessam a estação todos os dias, além das duas linhas de metrô: a vermelha, que vai da Lapa até Cajazeiras, e a azul, que vai do Acesso Norte ao Aeroporto. Diversas histórias se cruzam a todo momento, conectadas pela necessidade de locomoção para diferentes locais da cidade.

Serviços variados, de lotéricas a lojas de roupas, começam a abrir as portas desde às 6h da manhã. Se engana quem pensa que nessa hora não tem movimento; o fluxo de pessoas já começa antes. A Estação da Lapa funciona das 05h da manhã até a meia-noite.


O andar do terminal de ônibus, cheio como de costume, recebe uma média de 325 coletivos por hora, de acordo com o site da Estação. Lá, Jaciane Souza trabalha numa lanchonete, e às 7h30, enquanto coloca as empadinhas na bandeja, nos conta que a tarde é ainda mais movimentado:


“Durante a manhã é bastante agitado, mas à tarde vem mais pessoas. Dia de sábado não tem muita gente.


O agito da manhã é uma característica que parece intrínseca à Lapa. É o momento em que tudo recomeça mais uma vez, tanto o comércio, quanto o transporte. Com objetivos diferentes, cerca de 430 mil pessoas circulam todos os dias pelos três pisos. A cor que caracteriza a estação, o vermelho, predominante no local, vai das placas informativas até a tubulação que percorre o exterior do prédio. Atrelado ao estilo brutalista da sua arquitetura, o vermelho pode representar energia e excitação, necessárias para motivar a movimentação logo cedo.

Subindo dois andares do terminal, na ala de serviços, Amanda dos Santos confirma a informação trazida por sua colega. Trabalhadora de uma loja de roupas há 5 anos, não pôde parar para dar entrevista. Porém, em meio às arrumações finais do bolo de camisetas, ela também diz que o fluxo aumenta ainda mais à tarde.

A arquitetura da estação se destaca em meio ao bairro
A arquitetura da Estação Lapa se destaca meio ao bairro
Amanda dos Santos é trabalhadora na Lapa há 5 anos.

E ainda nos explica o provável motivo:

 

“Durante a tarde é maior, acho que por conta dos estudantes, do curso que tem aqui, é bem maior, mas de manhã também tem movimento.”

 

Quando perguntada de quais cursos se referia, Amanda aponta o Colégio Central, localizado na Avenida Joana Angélica, e o Quartel General da Polícia Militar que também fica nas proximidades. Na região dos Barris, diversas instituições de ensino se inserem em uma mesma teia educacional. A Faculdade de Economia da UFBA, a Fundação Visconde de Cairu e o Colégio Estadual Senhor do Bonfim, são alguns exemplos de centros educacionais conhecidos. Para além deles, os shoppings Center Lapa e Piedade, e a feira de frutas, também são fortes pontos comerciais, que acabam gerando muito movimento pela região.

Na Lapa, o trabalho começa com os primeiros raios de sol.

Se a pressa está presente na vida das pessoas que estão de passagem, para as que trabalham com o serviço de transporte a correria é maior ainda. Um agente de operações e serviços que não quis se identificar diz que a estação é igualmente movimentada o dia todo.

Funcionário há 3 anos, conta que a profissionalização do ofício foi fundamental durante o enfrentamento da pandemia, e que hoje em dia consegue atender ao público de forma mais satisfatória do que quando começou na profissão:

O índice de Samu aqui é muito baixo, e com os cursos que a gente vem tendo, a gente está preparado para poder atender o público, entendeu? E eu vejo que isso é uma mudança.”

 

TRABALHO

É por meio do trabalho que as engrenagens do bairro começam a girar. Como dimensão central dos Barris, o trabalho não se limita ao centro. Saindo da estação, é alta a presença de vendedores ambulantes, que assim como as lojas da Lapa, oferecem a maior variedade de serviços. Os picos mais conhecidos são o Camelô da Piedade e a feira na Avenida Joana Angélica. 

 

A abertura do comércio ambulante precede em algumas horas o frenético ir e vir da estação de transbordo da Lapa e da abertura do comércio local. Um mundo à parte se abre quando subimos ao terceiro andar da estação e encontramos, entre tantos rostos, nomes tão comuns e conhecidos por nós. O espaço é acolhedor mesmo que o ritmo dos vendedores ambulantes. A pressa para montar suas barracas, a indisponibilidade de tempo para sequer falar algo no meio de seu trabalho. O silêncio cheio de palavras e preocupações de quem organiza sua tenda para fazer o seu ganha pão.

A variedade de frutas é a característica principal da feira.

O comércio ambulante da Lapa/Piedade (ainda bairro Barris) é um dos mais conhecidos de Salvador, atraindo pessoas da cidade inteira principalmente por se tratar de um ponto de grande fluxo de transeuntes em decorrência da estação da Lapa. São pessoas de todas as idades, atrás de cada barraca, vendendo seu produto. Todas elas têm quase algo em comum: décadas de histórias para contar sobre o seu lugar de vendas.

 

Dentre esses relatos, quase todos não identificados pela timidez, vemos narrativas contadas de uma outra perspectiva. Pessoas que não moram no bairro mas se deslocam até lá todos os dias há 5, 10, 15, 20 até mesmo 30 anos. Pessoas que observaram as mudanças ocorridas e os efeitos que elas tiveram em seu trabalho.

 

Uma dessas histórias quem conta é a dona Conceição de Jesus, ela trabalha mas também reside no bairro, na Avenida Vale dos Barris. Ela confidencia sua maior felicidade vivida no bairro com um  sorriso no rosto e lágrimas nos olhos: ela conseguiu formar a sua filha. Dona Conceição alega não ter formação, por isso se agrada de ter conseguido completar através de sua filha o sonho de um diploma. Também diz não ter queixas do bairro nem do fluxo de vendas, afirma que:

“Aqui é até um bairro bom porque tudo que a gente quer a gente acha, as coisas são perto: médico, mercado.  Eu não tenho muito o que reclamar não.”

A barraquinha de dona Conceição é repleta de cor.
Seu Valdir, em seu local de trabalho

Essa já não é a realidade experimentada por seu Valdir Silva, que tem uma barraca de consertos, atravessando a rua Joana Angélica. Assim como dona Conceição, ele tem a sua locação há mais de duas décadas e denuncia fortemente as mudanças ocorridas no bairro, mesmo não residindo nele:

Muito ladrão. Hoje o negócio tá estranho. Antes, quando cheguei aqui era bem diferente, a gente podia sair da banca, deixava as coisas aqui, chegava tava tudo. Hoje em dia, se vacilar, a galera leva. Tá desse jeito: a pessoa vir aqui com uma correntinha de ouro de prata, ninguém pegava. Hoje em dia, não pode mais, porque o pessoal tira”.

Apesar de suas críticas ao bairro, seu Valdir nos relata que é artesão e músico e que a sua locação já proporcionou a ele encontros com famosos e artistas da música que ele admira como Osvaldo Filho, baixista de Edson Gomes, a quem ele se refere como “brother”.

Ao lado da barraca de seu Valdir, encontramos a barraca de folhas de dona Valdilene. Entre suas histórias, ela recorda que está no local há mais tempo que consegue se lembrar. Governos passaram e ela persiste em seu lugar vendendo plantas aromáticas para fazer banhos. Assim como seu Valdir, ela denuncia a queda nas vendas devido ao aumento exorbitante do preço dos substratos nos últimos anos. Mas se consola ao dizer que ao menos tem o suficiente para comer, morar e pagar o aluguel de sua barraca. 

 

 

Na confluência das histórias se escreve uma narrativa do bairro vista pela ótica não apenas comercial. Quem vende nos Barris também mora, ocupa, vive e faz a história desse lugar que nem sempre, mas desde sempre, teve características comerciais. O bairro se tornou, para esses comerciantes, um lugar como casa.

A barraquinha de dona Valdilene

HISTÓRIA

Por entre as ruas dos Barris escutamos histórias sendo contadas de todos os lados, seja por quem mora, seja por quem trabalha, seja por quem visita aquele espaço. As ruas se enraízam como veias de um grande sistema pulsante em direção a um grande coração, onde todas as palavras se encontram: a Biblioteca. Localizada na Rua General Labatut, ela e seu grande acervo nem sempre residiram na rua principal deste bairro tão movimentado de Salvador. Passou por outras quatro localizações quando, em 1970, encontrou, assim como tantos moradores do lugar, um lugar para chamar de casa. 

 

 

Existente desde o ano de 1811 é a biblioteca mais antiga da América Latina, seus arquivos tem data inicial no século XVI e guardam as memórias do crescimento de Salvador a partir do período colonial.

Segundo Marcos Viana, diretor da Biblioteca Municipal do Estado da Bahia desde o final de 2020: 

 

“Quando essa biblioteca foi instalada aqui no bairro dos Barris há 52 anos atrás foi um “boom” né? Porque era um mundo totalmente analógico. Então a dependência do suporte papel, a dependência do suporte livro era muito grande. Pensem vocês, há 50 anos atrás o que é você ter acesso gratuito a livros.”

 

Mas se engana quem acredita que suas atribuições se limitam a acervos de histórias guardadas. Ela exerce papel fundamental para a comunicação e na manutenção do ambiente acolhedor que rodeia o bairro estando associada à projetos e associações como a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), e a Associação Baiana de Cegos. 

Marcos ainda complementa: 

 

 

“A biblioteca faz interação com agentes daqui da cadeia do comércio do bairro. Então a gente faz essa parceria, temos aqui uma uma associação chamada Adventista Desenvolvimento que ela dá moradia para pessoas que estão em situação de rua e trabalha a vida dessas pessoas para que elas possam não só sair daquela situação de rua, mas possam achar ali um meio de ascensão, um meio de mudança.”

Mas se engana quem acredita que suas atribuições se limitam a acervos de histórias guardadas. Ela exerce papel fundamental para a comunicação e na manutenção do ambiente acolhedor que rodeia o bairro estando associada à projetos e associações como a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), e a Associação Baiana de Cegos. Marcos ainda complementa:


“A biblioteca faz interação com agentes daqui da cadeia do comércio do bairro. Então a gente faz essa parceria, temos aqui uma uma associação chamada Adventista Desenvolvimento que ela dá moradia para pessoas que estão em situação de rua e trabalha a vida dessas pessoas para que elas possam não só sair daquela situação de rua, mas possam achar ali um meio de ascensão, um meio de mudança”

Marcos Viana, diretor da Biblioteca Municipal, conta suas percepções do bairro e expectativas para o futuro.

Observatório das mudanças ocorridas no bairro, a biblioteca existe como um marco temporal, uma ligação entre os tempos presente, passado e futuro. Sentiu em suas paredes, entre suas estantes, as mudanças dos Barris. Essas mudanças são marcadas tanto pelo perfil do bairro que ora foi estritamente residencial e hoje deu espaço a um bairro muito comercial com dois Shoppings, comércio de rua, lojas de todos os gêneros e a estação de transbordo da Lapa, quanto pelas questões sociais que acometem bairros centrais: maior contingente de pessoas em situação de rua, pessoas passando fome, pessoas de toda a cidade transitando pelo bairro. 

Em meio às falas do diretor, uma denúncia sobre a mudança do perfil do bairro:

 

“Ricos? Acho que hoje não existem mais aqui. Os ricos migraram porque tinha uma classe média alta, inclusive personalidades, pessoas importantes, né? Mas com o passar do tempo as pessoas acabaram saindo para outros bairros que acabam tendo essas características para poder abrigar esse tipo de moradia.” 

 

Se os Barris são de um jeito hoje, há 58 anos as coisas eram bem diferentes. Nos anos 40, o bairro começa a passar por um processo de transição com a chegada de muitas pessoas que migraram do interior para Salvador. Ocupações em terrenos ociosos dão lugar a uma região chamada de Roça do Lobo. Localizada na periferia dos Barris, tem esse nome por conta de um terreiro em que aconteciam treinamentos físicos e rodas de capoeira. Uma personalidade de referência é o Mestre Bimba, capoeirista famoso, que tem sua história marcada por suas contribuições culturais e sociais à capoeira; Bimba introduziu novos movimentos, além de ter sido uma voz intelectual ativa na luta contra a marginalização da prática

Vista interna da Biblioteca

Novas realidades chegam e com isso novas questões surgem, uma grande evasão do bairro muda a cena e dá para os Barris um novo perfil: prédios comerciais no lugar de casarões antigos pertencentes a famílias tradicionais, grande fluxo de pessoas de outros bairros transitando nas ruas. O diretor da Biblioteca explica que existem projetos no intuito de atender a essa nova demanda de um bairro que muito mudou. 

 

“A gente tá fazendo um trabalho que a gente consiga trabalhar a questão do bairro, por exemplo tem um projeto de horta comunitária no fundo da biblioteca que é para fazer atividades envolvendo meio-ambiente com as pessoas, mas o produto dessa horta a gente quer atender a comunidade mais pobre do bairro porque o bairro hoje também tem um misto de pobreza com o pessoal mais classe média. Então uma parte do fundo do bairro que dá para o lado do Vale dos Barris, lá embaixo, é a parte mais pobre. Do lado de cá, a gente tem uns prédios e o pessoal mais classe média”.

Além dos desafios do tempo, da transitoriedade do bairro, da mudança de perfil e público, a biblioteca lidou também com a pandemia da Covid-19, momento no qual perdeu uma parte do seu público ativo e agora tem um novo desafio em mãos: se reestruturar e ser novamente habitada.

 

“Então houve desemprego, teve gente que começou a trabalhar de casa, gente que já fazia isso e ampliou para o prédio, às vezes as pessoas não sabiam com o que as outras trabalhavam. Gente que passou a trabalhar assim na pandemia, então assim muitos prédios criaram grupos de WhatsApp. Então você chega e entrega uma programação, você pode passar pra pessoa responsável. Tira uma foto, bota no grupo pra gente começar a atingir essas pessoas porque o nosso meio de divulgar nossas ações são: nosso site e nossas redes sociais da fundação Pedro Calmon.”

 

Ele ainda complementa com falas sobre os projetos imaginados para atrair o novo público mais jovem e mais conectado ao mundo tecnológico, principalmente depois da pandemia:

 

“Então a gente entende que é um é um híbrido de coisas. Precisamos ter a biblioteca pronta para tudo, tanto para oferecer o suporte analógico como papel: o suporte livro, mas também para oferecer suportes digitais. Inclusive, estamos analisando a possibilidade de projetos de assinatura de plataforma de livros digitais para que a gente possa dar esse acesso também para essa categoria de usuários. Principalmente dos mais jovens, conhecidos como os nativos digitais, já nasceram com a tecnologia em mãos”

A Biblioteca, por fim, é um marco na história do bairro dos Barris, acompanhou mudanças geracionais, viu moradores crescerem, criarem famílias, migrarem de bairros. Notou quem fez juz à velhos ditados de bons filhos à casa tornarem. Observou 208 estações passarem por ela, se abriu para o universo soteropolitano, foi reconhecida e também abandonada durante esse processo, uma história análoga à vida dos anciãos de nossa sociedade. Vive com grande prestígio (e resistência) as marcas de um abandono histórico e político, mesmo sendo um símbolo da história e da memória do bairro dos Barris.

Pelo olhar de uma vida inteira

De certo, estamos falando de um centro comercial, mas ainda há aquelas pessoas que chamam os Barris de lar. A arquitetura se destaca pelos antigos casarões, alguns inspirados pelo estilo Art Déco, outros pelo modernismo. Um dos mais curiosos é a casa de número 6 da Rua Teodoro Sampaio, pertencente à família Bartilotti. Com referências à primeira fase do modernismo e um toque aerodinâmico, a casa aposta em formatos curvos e arredondados. Hoje em dia ela está à venda.

Casa da família Bartilotti que está a venda.

A verdade é que, antigamente, o bairro era uma grande roça. As casas começaram a ser construídas no final do século XIX, na forma de sítios e chácaras. É o que nos conta Silvia Sá, de 76 anos, moradora dos barris desde que nasceu: 

“No local onde foi construída a biblioteca, eles disseram isso lá? Antigamente era uma chácara, onde residia uma senhora chamada Dona Lisu, era bordadeira, muito solicitada para bordar enxovais de debutantes, oxente, ela bordou meu enxoval! Bordava lençóis, toalhas, fazia vestido, e na chácara da Dona Lisu comprava-se grande variedade de frutas: as mangas eram uma maravilha, uma maravilha mesmo, sapoti também, cada um enorme assim, pitangas, etc!”

Silvia (76) com um retrato dos seus 15 anos.

Antes da entrevista começar, ela nos mostra uma folha com anotações que preparou para se lembrar de detalhes importantes que desejava nos contar. Silvia nasceu nos Barris, na casa de seus pais, localizada na Rua Comendador Gomes Costa. Sua mãe teve o parto assistido pelo seu tio, o Dr. Sinfrônio Farias, a quem Silvia chama carinhosamente de Tio Fone. Além dele, a parteira Dina, conhecida na época pelos habitantes do bairro, auxiliou no parto. 

 

 

Durante toda sua infância e adolescência, Silvia morou com seus pais. Até que, em 12 de Junho de 1967, conheceu seu marido, Bartholomeu, com quem é casada até os dias de hoje. Formada em Odontologia pela Universidade Federal da Bahia, ela trabalhou durante muitos anos na área e atualmente está aposentada.

Em frente à antiga chácara de Dona Lisu, ficava o Armazém Espanha. Segundo Silvia, os moradores do bairro compravam fiado e deixavam seus nomes anotados numa caderneta, juntamente com os itens que foram comprados. Com as modificações do cenário, o armazém se transformou num bar, que logo se tornou famoso pela região. Moradores dos Barris e de outras localidades vem durante os finais de semana para “tomar uma cerveja gelada no bar Espanha, saborear petiscos e às vezes até com música ao vivo”, nas palavras de Silvia.

Ela nos lembra grandes personalidades que atravessaram a história dos Barris:


“Rui Santos, político, e Cícero Bahia Dantas que apesar de não ser político, foi dirigir o Esporte Clube Bahia. São figuras significativas que moraram no bairro, agora, além deles morou Gilberto Gil. Gilberto Gil, e também moraram aqui no bairro o Glauber Rocha, cineasta, e Helena Ignez, a atriz.”

Atual Bar do Espanha

Com o forte movimento migratório, as classes mais altas, detentoras da maioria dos casarões, se deslocaram desse eixo para o lado norte da cidade. Foi aí que os Barris começaram a ganhar caráter majoritariamente comercial.

 

“Meio de transporte era o bonde, e se a gente observar até hoje existem os trilhos por onde os bonde trafegavam. As casas do bairro eram de estilo antigo, onde residiam muitas famílias, e dentre essas famílias residiam políticos e muitos outros. Poucas são as casas que ainda são conservadas aqui no bairro, poucas são as famílias que residem”

 

 

Esse bonde, mencionado por Silvia, passava pela Rua do Salete e a General Labatut, sendo essencial no fluxo transitório do bairro. Porém, com a necessidade de transporte mais integrado, os bondes foram desativados, dando lugar à Estação Lapa. Passando pela rua, é possível identificar alguns trilhos, ofuscados pelo asfalto, que guardam um pedacinho dessa história.

Já as casas que marcaram a paisagem dos Barris, deram lugar a prédios, o que facilitou a transformação do bairro, antes residencial, agora comercial. Silvia recorda a história de uma outra pessoa, Dona Carmelita, que exemplifica muito bem a situação:


“Na Rua do Salete, que dá acesso ao bairro, antigamente era povoada por famílias. No número 12, residia uma tia nossa chamada tia Carmelita, daí hoje, o cunhado do filho dela, que é era construtor, Eduardo Covas, ele construiu um conjunto de apartamentos residenciais, que colocou-se Vila Carmelita em homenagem a moradora antiga que era a senhora Carmelita. E toda minha avó a gente frequentava lá e tudo porque a Carmelita era a irmã da minha avó por parte de mãe.”

Silvia considera que o bairro cresceu tanto para o viés econômico quanto para o viés estrutural. Para ela, o progresso representou a maior diferença em termos de uma mudança significativa no panorama dos Barris. Apesar desse avanço rumo ao futuro, o passado ainda deixa saudades. Foi nos Barris que Silvia, sua mãe e sua avó foram criadas. Além disso, diversos membros da família, como tios e tias, também foram residentes do bairro na sua época de expansão. Com os olhos marejados e carinho no coração, a atual matriarca da família relembra aqueles que já se foram:

“A gente até se emociona, né? Porque já perdemos tantos parentes, tanta gente que morou aqui. Muitos tios, tias, primos, muita gente. Minha avó, minha mãe, meu pai, meu avô. Atualmente, só tem minha irmã, eu e ela.”

Perguntada sobre uma memória marcante que viveu no bairro, Silvia não consegue definir apenas uma dentre as tantas histórias que nos foram contadas. Porém, ela dá uma resposta interessante, que define o sentimento da sua relação com os Barris:

“Eu acho que a memória marcante era porque quase a maioria dos membros da minha família moraram aqui, então, quer dizer, tinha muitos membros e a gente tem reminiscências familiares, né? A minha avó e o meu avô, vários membros da família eram residentes dos Barris, então a gente morava e vivia num bairro onde concentrava-se a maior parte da família, da minha família.”

SENTIMENTOS

Atravessado por vivências de um povo em constante movimento, os Barris despertam diferentes emoções em cada um que experimenta viver ou trabalhar por lá. Pensando nisso (e tentando desvendar que emoções são essas), fizemos uma pesquisa a parte baseada na seguinte pergunta:

"Para você, qual cor representa os Barris?

Também conversamos com o estudante de moda, Loic Nicolle, para entender melhor a relação das cores com as sensações transmitidas. Aluno do Instituto Marangoni, para ele entender as cores são um passo essencial no entendimento das percepções da mente humana. As respostas dessa pesquisa, associadas às interpretações de Loic, podem ser visualizadas no infográfico abaixo:

As cores predominantes mostram a realidade de um bairro marcado por intensidade e memória. Os Barris passaram por grandes mudanças ao longo dos últimos 80 anos e continuam se modificando cada vez mais. O crescimento comercial faz parte da história, mas não a define. Afinal, entre as idas e vindas dos Barris, o que fica é a memória daqueles que cruzam o bairro todos os dias.

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