O Reflexo do Caos
Denize Viviani
Sem saber ser para além de sua exaustiva rotina, a mulher que tudo fazia, nada tinha para fazer. Ora tão certa de sua solitária autossuficiência, se viu afogada no mar do ócio, sem direito a socorro. Se sentia como uma menina novamente, refém de seus próprios pensamentos, receios e anseios.
Sem querer olhar para dentro, como uma súplica de misericórdia, ela se espreitava em busca de afazeres e ocupações, fugindo da voz sombria que ressoava em sua mente pedindo por atenção.
À noite, cansada de sua incessante fuga, a menina deitava em seu sofá marrom empoeirado, e se entregava à escuridão de seus pensamentos. Choramingava sem saber ao certo o motivo, e seu olhar revelava vazio e incompletude… Ela, antes devota à rotina incessante, agora a questionava.
Será que ela sabia quem realmente era? Ainda restara algum sonho dentro de si? Talvez tenha feito demais e sentido de menos, ou quem sabe tenha se reduzido a ser simplesmente uma engrenagem de um sistema que a deixara apática… Em meio às suas intermináveis divagações, a menina pegava no sono, e assim as noites se passavam, uma a uma.
Um dia, numa de suas ocupações aleatórias para escapar dos seus solitários pensamentos, ela procurava incessantemente por uma tinta azul. Revirou a casa inteira, até passar em frente ao único espelho, pequeno e escondido, que tinha em sua casa. Como se estivesse sendo atraída por ele, parou para observar o seu próprio reflexo que, ironicamente, ela não reconhecia.
Interrompendo a inércia de suas distrações externas, o sentimento de estranheza com sua imagem no espelho a fez decidir que ela não mais queria olhar para fora, mas para dentro. Relutando contra seu receio inconsciente, ela substituía, pouco a pouco, o medo pelo desejo de se conhecer. Colocou espelhos em todos os cantos da casa para não ter como fugir do seu reflexo e do redescobrimento que ele carregava.
Com o tempo, a menina, agora mulher, não mais precisava se ocupar deliberadamente para completar seu próprio vazio. Ela se preenchia sozinha.