O coração não entra em quarentena

Renata Tanan

Nordestina de muita fé, já vivi muitas adversidades nessa vida, mas nada nunca foi capaz de me distanciar de minha família. Hoje, me pego pensando no anoitecer dos dias de domingo; filhos e netos indo embora, voltando para a cidade, casa vazia outra vez. Vazia eu. Vejo-me só. Não há mais a feira aos sábados para eu poder passear e prosear, tomar aquele mernorzinho na barraca do seu Manoel… colocar os papos do passado em dia. Eita que saudade eu tenho de falar do tempo, da chegada da chuva com dona Orminda – não tinha jornalista mais certeira que nós com as nossas previsões! Mais saudade eu tenho da casa cheia.

Da expectativa criada durante toda a semana… aquela ansiedade, o frio na barriga ao ouvir o carro na estrada e pensar nos meus meninos chegando… ia logo preparando a mesa, o cafezinho quente para combinar com o abraço. Que falta faz ver meus filhos na mesa depois de prender o gado; e de meus netos correndo pelo terreiro sob o Sol… Ah o Sol! Naquela época parecia-me mais brilhoso – mas tanto tempo na escuridão dessa casa sem a luz de meus meninos, que já nem sei diferenciar e apreciar o mundo sobre o muro.


Devo também agradecimento ao inventor do telefone celular e ao meu feijãozinho diário – que me mantém em pé e me fortalece para vencer mais um dia. Oh glória por eles! É através da minha memória que consigo, diariamente, recordar dos anos vividos ao lado do meu amado e falecido marido, José.Da infância dos meus garotos. E do tempo que pude aproveitar com os meus netos. Esses me dão força para esperar e seguir em oração. Ah… aqui na roça não tem sinal, são pontos específicos que tenho que ficar rodando para conseguir telefonar para a cidade; as horas que passo procurando sinal de celular são recompensadas, ouvir a voz de meus meninos dão sentido aos meus dias, afinal, com essa pandemia as minhas plantas, que andam murchas, assim como o meu semblante, têm sido as minhas únicas companheiras. Tem o Garotinho também, o cachorro aqui da roça, que apesar de muito traquino, é o único que hora ou outra me tira o riso e me faz soltar a voz (nem que seja para soltar um palavrão).

Eu sou Terezinha. No diminutivo para combinar com o meu tamanho. Mas, eu sou de excessos. Eu amo grande. Demonstro grande. Acredito grande. Moro na zona rural, e, apesar de estar isolada das pessoas, sou cercada de amor e esperança. A minha fé de dias melhores se mantém viva; para poder ver meus meninos pertinho de mim, e não mais do outro lado da cerca. Sem máscara, esbanjando aquele sorriso imenso. Jogando terra para cima, pegando picula e não mais passando álcool gel por segundo.

Eu sou Terezinha, mais uma das inúmeras Terezinhas, isoladas na pandemia, viúvas, com saudade da família e da casa cheia. Sou mais uma das diversas pessoas com saudade da vida. Sou mais uma que almeja por dias melhores. E se os outros perderem a esperança, então, serei a única, em meio a tantas Terezinhas, em oração pela cura, pela volta do abraço e pela celebração da vida, pois, não há nada que me fortaleça mais do que ouvir, todos os dias um “Bença mãe”, “Bença vó”, e, enquanto depender de mim, estarei aqui, todos os dias, para poder responder de pertinho: “Deus te abençoe, te guie, te guarde, te proteja e te ilumine, meu filho!”

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