A beleza da desordem
Denize Viviani
“Qual é o seu propósito na Terra?”. Um questionamento que aparenta ser relativamente simples é a base para o conflito narrativo da ficção científica A Chegada, escrito por Ted Chiang e Eric Heisserer, e dirigido por Denis Villeneuve. Apesar de ser, aparentemente, mais um dos incontáveis filmes sobre alienígenas, a obra se apresenta de forma primorosa e original ao abordar os convencionais extraterrestres não como a temática principal, mas sim como um meio de se discutir a complexidade e os desafios da comunicação e, também, de problematizar a temática do tempo — já que ao longo da obra descobrimos que, para os alienígenas, o tempo não é visto de forma linear e progressiva, como o é para nós, seres humanos.
Com a chegada triunfal e assustadora de doze ovnis enormes em formato de concha e espalhados em locais distintos do globo terrestre, uma corrida contra o tempo se inicia para tentar descobrir o porquê daqueles seres estarem ali e quais medidas devem ser tomadas para garantir a manutenção da vida humana — que estava, aparentemente, em risco —. Mas para entender motivos e propósitos, a comunicação se faz necessária, e é a partir desse desafio que são contactados profissionais da linguagem de todo o mundo, dentre eles a renomada linguista Louise Banks, que guiará toda a narrativa.
A solitária linguista começa a trabalhar com os heptapods — assim são chamados os extraterrestres no filme, já que andam sobre sete pés — até que seja possível fazer, para eles, a pergunta “qual é o seu propósito na Terra?”, de forma clara e não ambivalente. Louise passa, portanto, a ensinar aos extraterrestres algumas palavras básicas, e a receber, em troca, símbolos como forma de tradução. Uma imersão idiomática se estabelece de tal forma que ela começa a enxergar a vida e o tempo de forma não-linear, assim como é a ortografia e o idioma dos alienígenas, cujos símbolos são desenhados ao mesmo tempo da esquerda para a direita e vice-versa, até chegar no meio. Dessa forma, passado, presente e futuro se interpõem para Louise Banks.
Conforme aponta Rebecca Demicheli em seu artigo “Linguagem, cognição e cultura: A hipótese Sapir-Whorf”, de 2018, o principal fundamento da Hipótese Sapir-Whorf é o de que o idioma de uma comunidade organiza a sua visão de mundo e a sua cultura. Portanto, os próprios pensamentos seriam pautados na forma como um idioma se estabelece, até porque costumamos pensar da mesma forma como falamos e escrevemos. Dessa forma, o obstáculo de aprender a língua dos aliens é trabalhado, no filme, de forma a ser visto como um “presente” ou até uma “arma” poderosa, já que resulta numa expansão mental tamanha que as barreiras de um tempo linear e progressivo podem ser quebradas para um tempo ubíquo.
Assim se constrói a base do universo ficcional e se levanta a problemática principal do filme: a necessidade humana de estar sempre no controle fará a Louise mudar as suas decisões presentes para obter um futuro diferente e “ideal”, ou ela simplesmente deixará tudo acontecer como deve ser, sem tentar ter o controle de tudo? Como a própria protagonista questiona no filme, “se você pudesse ver toda a sua vida do início ao fim… mudaria alguma coisa?”.
De forma admirável, portanto, os roteiristas levantam reflexões acerca da vida, do tempo, da linguagem e do controle. Sem cair numa simples narrativa clássica com uma moral da história delineada e predefinida, o enredo promove discussões complexas e fundamentais sobre como as nossas decisões interferem em nossa vida e a importância de se valorizar o momento presente, sem medo das desilusões e adversidades futuras. Trata-se de uma obra única e inconfundível.