Lanussi Pasquali: “Foi realmente, na área da cultura, dramática a situação com a pandemia.”

Por João Pedro Araújo

Lanussi Pasquali criou o Ativa Atelier (Marina Silva/CORREIO)

É uma gama muito grande de trabalho que envolve muita gente e que simplesmente parou, então acho que foi um impacto terrível pro setor” diz Lanussi Pasquali, artista e produtora cultural gaúcha com larga experiência, sobre o choque imediato da pandemia para a produção cultural. Trabalhou um grande período na produção de eventos, cenografia, e nos últimos anos, com o foco em exposições em museus, galerias e espaços expositivos. “Quando a gente pensa em cultura, a gente pensa só nos grandes artistas, músicos, mas a gente esquece uma cadeia de trabalhadores que estão envolvidos com a produção cultural, com uma ação cultural comentou a produtora sobre os impactos da pandemia pros trabalhadores da área de produção e fez uma abordagem sobre o processo de se reinventar através das ferramentas virtuais “De uma forma muito prática, o uso da tecnologia, da internet, dessas plataformas de transmissão ao vivo, que são várias plataformas que você pode se comunicar, isso permitiu que parte das atividades planejadas para o ano se mantivessem, isso foi ótimo. Eu acho que de um lado a gente aprendeu a usar essas ferramentas, coisas que eu particularmente tinha pouca afinidade, mas passou a usar e entender que tem um valor positivo nisso também.

Como foi o choque imediato da pandemia para o produtor cultural? 

O que aconteceu foi que a pandemia parou com tudo. O primeiro impacto: a gente suspendeu todas as atividades quando veio esse alerta, no dia 15 de março. Dos cursos que já estavam iniciados, todos continuaram, a gente interrompeu 2 semanas e numa terceira semana a gente começou a testar um modelo virtual. Como eram cursos que tinham uma característica prático-teórico eles conseguiram acontecer, um à tarde que era essencialmente prático foi suspenso e não retornou, não tem previsão de quando vai retornar. Mas toda a cadeia de atividades e de eventos que a gente realizou em 2019 e que íamos realizar novamente esse ano simplesmente não aconteceram. Então no primeiro momento foi um susto, eu achei, sinceramente, que o ateliê ia fechar as portas, não ia acontecer nada, foi uma surpresa maravilhosa que as coisas continuaram acontecendo de forma remota, através das plataformas, a gente demorou até achar a plataforma que se adaptasse melhor, então todo mundo vai sair formado em T.I. dessa pandemia. Mas realmente, diminuiu bastante as atividades, ao mesmo tempo que foi cansativo pra todo mundo o trabalho remoto, essa adaptação, essa tensão, e tudo o que envolve a pandemia refletiu nesses primeiros momentos. Agora a gente tá um pouco mais acostumado, não que a pandemia acabou, mas a gente tá um pouco mais acostumado. Os trabalhos continuam virtuais, no primeiro semestre ainda novos cursos aconteceram, no segundo semestre os cursos planejados aconteceram também, então não foi um saldo positivo, mas não foi a tragédia que se anunciava, a gente trabalhou bastante, sem dúvidas. Mas muita coisa que a gente planejou de oficinas, feiras de artes, de exposições, não aconteceram por conta da pandemia e estão sem previsão de acontecer. Esse foi o primeiro baque, o que parecia que ia ser uma tragédia, foi realmente, na área da cultura, dramática a situação com a pandemia. Quem tinha um suporte, uma reserva, conseguiu dar conta, acho que para cultura foi bastante dramático. Porque quando a gente pensa em cultura, a gente pensa só nos grandes artistas, músicos, mas a gente esquece uma cadeia de trabalhadores que estão envolvidos com a produção cultural, com uma ação cultural. A gente que trabalha com produção, a gente sabe que vai ter um pintor que vai retocar a galeria, que tem um garçom, um hold, um eletricista, então é uma série de trabalhos que quando a gente fala do meio cultural as pessoas não pensam, mas um produtor cultural lida desde a locação de um sanitário químico para eventos, até passagem aérea pro artista, cachê pro artista. É uma gama muito grande de trabalho que envolve muita gente e que simplesmente parou, então acho que foi um impacto terrível pro setor, e pro trabalhador de uma escala mais técnica acho que foi mais dramático ainda.

Como a pandemia afetou, direta ou indiretamente, a sua área?

Ela afetou diretamente uma cadeia produtiva que rende para o país, para o PIB do país, um volume muito grande. Agora eu não teria dados, mas a cultura é responsável por um volume de circulação de dinheiro gigantesco para o país. E as pessoas não se dão conta, porque a gente acha que a cultura é só aquele artista, é só a Ivete Sangalo que vai fazer um show. É uma cadeia enorme de prestadores de serviços, de empresas, até que o show aconteça, e toda essa cadeia foi interrompida. Isso a gente tá falando dos grandes nomes, daí a gente passa pra essa escala desse músico muito local que faz os shows aqui no circuito de Salvador, do Rio Vermelho, isso acabou, desapareceu no período da pandemia. O cara que cuida da luz, o cara que cuida do som, todos esses serviços foram suspensos e essas pessoas tiveram que achar um jeito de viver, é ainda muito dramático, para área da cultura, a pandemia. Claro que para outras atividades também, mas tem muitas outras atividades que conseguem acontecer virtualmente, eu posso até conseguir fazer uma peça na frente do computador, mas a cadeia produtiva foi quebrada, isso as pessoas não falam, uma cadeia importantíssima que foi quebrada.

Como é o processo de se reinventar dentro das produções culturais vivendo nesse “novo normal” gerado pela pandemia?

De uma forma muito prática, o uso da tecnologia, da internet, dessas plataformas de transmissão ao vivo, que são várias plataformas que você pode se comunicar, isso permitiu que parte das atividades planejadas para o ano se mantivessem, isso foi ótimo. Eu acho que de um lado a gente aprendeu a usar essas ferramentas, coisas que eu particularmente tinha pouca afinidade, mas passou a usar e entender que tem um valor positivo nisso também. Eu não estou pensando nesse meu “novo normal”, eu não quero que a vida seja isso, eu quero que com esse processo terrível que a gente passou e que a gente parece estar “acomodado” no sentido de “estamos esperando o tempo passar”, a gente precisa esperar o tempo passar, precisa chegar a vacina, precisa tomar todos os cuidados até que isso aconteça. Mas a gente parou de refletir sobre a situação da nossa própria existência, que aconteceu tão fortemente no início da pandemia, no três primeiros meses, quando tudo estava fechado, que o ar estava mais limpo, que as águas estavam mais limpas, que a gente ouvia mais o som dos pássaros, que o mundo realmente tinha parado. A gente passou a pensar nessa existência do ser humano no planeta, isso nós que temos alguns que temos alguns privilégios, muitas pessoas não puderam parar para pensar nem um minuto porque a cada dia tinha que achar um jeito de ganhar a comida daquele dia, e com a pandemia ficou muito pior. Então eu acho que a gente não deve usar esse termo “novo normal” porque a gente sempre relaciona o novo como uma coisa melhor, uma coisa boa, acho que a gente tem que pensar nessa fissura, que de alguma forma aconteceu, esse “restart”, esse reinício que foi dado. Eu espero que a gente consiga, no final desse processo todo, perceber, falando da cultura, o quanto os bens culturais são essenciais para a existência humana. E eles têm que ser democratizados e encarados como essenciais na vida humana e de todos, independente da capacidade financeira dessas pessoas, coisa que no Brasil a gente não conseguiu resolver ainda, porque a gente não conseguiu resolver a questão de moradia, que está na Constituição como direito de todos, da saúde, da segurança alimentar, da segurança. Então todas essas coisas que a gente não conseguiu resolver que são essenciais, o acesso aos bens culturais produzidos nessa sociedade também tem que ser garantido. Ele não pode ser simplesmente um produto bancado por patrocínios, por grandes marcas de cervejaria que vão vender só o que interessa a eles, acho que existe uma gama de artistas, de produções artísticas e culturais que não são entretenimento, são arte, são duas coisas diferentes. O investimento em arte é muito mais escasso do que o investimento em entretenimento.

Como você enxerga esses novos métodos (virtuais, digitais), como a solução na impossibilidade dos eventos presenciais? A experiência é prejudicada?

É uma experiência também, a gente perde muitas outras formas de se experimentar o mundo, o convívio, a obra de arte. Nada vai substituir o encontro com uma pintura, com uma escultura, com um espetáculo de dança num teatro, assistir um filme numa sala de cinema, essas experiências não podem ser substituídas, elas são uma experiência. Claro que a nossa sociedade caminha para outros modos de experimentar o mundo através dessa mediação, e essa mediação se já se encontra na sociedade, óbvio que agora foi agravado. Nada da pandemia a gente pode dizer que foi bom porque mais de 170 mil brasileiros já morreram por conta dessa doença, mas a gente “precisa” dessa tragédia, pegar esse conhecimento que a gente forçosamente adquiriu, falando pelo meu trabalho, pelos contatos de manejos desses mecanismos, desses métodos e plataformas, que a gente pegue esse aprendizado e use ao nosso favor. Que a gente não se submeta a eles, mas que a gente saiba usá-los ao nosso favor, isso é um grande problema da humanidade, porque a nossa capacidade de criar coisas, objetos, ferramentas, é incrível, mas a gente acaba criando dependências dela. A gente tem que usar todas as ferramentas, todas as máquinas, todo o poder de produção mecânica do ser humano em favor de uma libertação, e a gente usa em favor de uma escravidão. Eu acho que essas gerações mais jovens que já nasceram com uma tela de celular na mão, com acesso muito fácil à essa virtualidade, essa mídia que tira o contato físico, talvez não perceba o quanto tá perdendo de um outro tipo de contato, de outro tipo de existência, e o quanto esses dispositivos capturam o que teria de mais bonito da vida. Porque nada substitui uma flor, uma flor de plástico não substitui uma flor, então a gente desaprendeu isso por conta de uma série de fatores, e com a pandemia, em que o uso desses dispositivos se tornou tão essencial, a gente tem que entendê-los como dispositivos na construção de uma liberdade, não na construção de uma escravidão. 

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