Juca Guimarães: “Eu sempre acabo o expediente no cansaço mesmo”

Jamile Araújo

Juca Guimarães, repórter no Alma Preta, começa o dia pensando em pautas, entre refeições, pausas e muito trabalho até a hora de dormir. Com 22 anos de experiência em redações, acredita que alguns elementos não voltarão a ser como antes. “A questão do home office, por exemplo, acho que vai ser mais comum do que era”. Criado no Capão Redondo, trabalhou na Folha de S.Paulo, Gazeta Mercantil e Agora S.Paulo. Em 2009, ganhou o prêmio Folha de Jornalismo. Juca diz que aumentou a relevância do movimento negro na sociedade. “Os grandes veículos de comunicação estão vendo o movimento negro como fonte corrente”.

 

O que mudou na sua rotina como repórter no último ano?

Antes da pandemia, a gente tinha um trabalho muito mais dinâmico, de rua, de entrevistas, de atos, de acompanhar coletivas. A pandemia teve a primeira fase de isolamento total, então a gente ficou muito preocupado de ir para a rua e se contaminar. Não tinha vacina também. A gente ficou muito ligado às lives. Entrevistar por live, e fazer matérias sobre a pandemia. É muito home office. Me sinto muito ligado à pesquisa agora, tem sido pela internet, coisa que eu não fazia antes com tanta frequência.

 

Dentro da rotina do home office, quais foram as principais mudanças?

Acho que mexeu muito nos meus horários. Eu começo a trabalhar muito cedo. Acordo já pensando em alguma pauta, pensando em alguma coisa. Às vezes tomo café trabalhando, aí dou uma pausa, volto e continuo trabalhando. Almoço rápido. Trabalho. E o final do expediente acho que nunca termina. Eu sempre acabo o expediente no cansaço mesmo, no limite da força. Porque alguns dias ficam muito cheios de coisas e retornos. Eu acho que o volume de trabalho aumentou por conta de estar em casa envolvido com o trabalho. Também não ir para a rua, para a redação é um tempo que acaba sendo ganho não para seu conforto e cuidado. Acaba sendo ganho para mais trabalho. Eu acho que todo mundo que trabalha em home office sente isso um pouco.

 

Quanto à redação do Alma Preta, como mudou a rotina, como estão trabalhando hoje, a partir da redação e a construção de pauta?

Eu trabalho em redações há 22 anos. Estou há duas décadas trabalhando em redações, de todos os tipos que se possa imaginar. Grandes, pequenas, de rádio, de TV. O Alma Preta é uma experiência muito única, porque a nossa redação é muito horizontalizada. As ideias vão sempre seguir a prioridade da pauta. Acho que o mais impressionante no Alma Preta não é a hierarquia de cargos, mas sim o objetivo das pautas, do conteúdo. Então o conteúdo é o primeiro lugar em tudo. É o único jornalismo que eu trabalhei até hoje que a questão livre da produção do jornalismo é aplicada no dia a dia. A gente está sempre reunido em grupos de trabalho e também nos aplicativos de comunicação como Whatsapp, instagram, telegram. Todos eles são importantes para a discussão das pautas. E a reunião semanal toda sexta-feira. A gente para uma hora e meia. A redação inteira para, e cada um em sua casa, ainda no distanciamento da pandemia, para discutir as pautas da semana seguinte. É um período muito bom de formação e de contato com os meus colegas. Então eu me sinto muito próximo deles ainda, não fisicamente, mas a gente é muito ligado nas ideias.

 

Existe algo relacionado ao dia a dia da profissão que sente falta e não é possível fazer devido às medidas de isolamento e restrição de atividades?

Eu sinto muita falta de estar na rua. Por exemplo, apurar coisas no local, ir nas audiências públicas, ir nas coletivas. Marcar entrevista com as empresas, ir nas empresas, ver como elas funcionam. Acho que esse contato com o foco da matéria é muito importante. Acho que por ser jornalista há mais tempo, é muito difícil observar as coisas de dentro de casa. O mundo está lá fora, dinâmico, acontecendo, e a gente está preso na nossa casa. Eu sinto muita falta de ir para a rua.

 

Quais são as principais dificuldades que você identificou para apurar as pautas nesse período?

Acho que pela internet é difícil conseguir as fontes. Porque você não sabe se a pessoa que você está procurando vai ter disponibilidade. Agendar os horários é mais difícil. Porque como cada pessoa está trabalhando num ciclo diferente, com uma rotina, às vezes é muito difícil conseguir os horários. Muitas vezes eu mando perguntas de madrugada para alguém, que me responde na outra madrugada, é muito complicado. Agora mesmo na Colômbia, nesses conflitos, as minhas fontes todas eram de Cali, e tem diferença de fuso horário daqui para lá. Eu tinha que ajeitar meu horário aqui em São Paulo para conseguir falar com eles, no horário deles lá. Então eu acho que essa pandemia meio que deixa todo mundo com horários diferentes, cada um tem um fuso de trabalho, de dinâmica. Então isso impactou um pouco na minha programação do dia a dia.

 

Você acredita que essa mudança que houve no jornalismo, dentro do contexto de pandemia (na redação, apuração, organização, redução do contato nas redações), vai voltar ao antigo normal pós pandemia?

Eu acho que o jornalismo nunca esteve confortável em um modo e em um modelo. Se for pensar bem, como negócio, ele evoluiu para um caminho. Sempre procurou tendências novas de mercado. A internet ou a questão da multimídia, o jornalismo nunca esteve parado em um modelo só. Foi evoluindo conforme a sociedade. Eu acho que esse passo que a gente deu com a covid é irreversível. A pandemia ensinou muitas coisas para a gente que talvez não voltem como eram antes. O que é bom de um lado e ruim de outro. A questão do home office, por exemplo, acho que vai ser mais comum do que era. Talvez ele seja ampliado, porque para as empresas de jornalismo ficou mais barato ter um funcionário home office, do que ter um local, uma estrutura onde se trabalha. Alguns setores, acho que revistas, por exemplo, com mais elasticidade no fechamento, podem se adaptar melhor com o home office.  Aí só o futuro vai dizer o que acontece.

 

Há alguma mudança no jornalismo durante a pandemia que gostaria de ressaltar?

Gostaria de ressaltar que no Brasil, o movimento negro cresceu bastante nos últimos anos, se estruturou de uma forma muito interessante em rede, e gera muita informação também. Eu vejo que os grandes veículos de comunicação estão vendo o movimento negro como fonte corrente, o que não era visto até algum tempo. Acho que explodiu no momento da pandemia a relevância do movimento negro na sociedade. Isso é muito importante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.