‘Marighella’ ignora a censura e é exibido em Salvador

O longa, que marca a estreia de Wagner Moura como diretor, tem previsão de estreia apenas para 2021, mas foi exibido em sessões especiais durante a Semana da Consciência Negra, em Salvador.

Por Larissa Calixto

Seu Jorge como Marighella com Wagner Moura em sua estreia como diretor (Foto: Divulgação)

Na quarta-feira, 25 de novembro, aconteceu a última de uma série de sessões especiais do filme ‘Marighella’, dirigido por Wagner Moura, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, em Salvador.
A cidade foi escolhida por ser a terra natal do revolucionário retratado no filme e também do diretor, que presenteou os soteropolitanos com a oportunidade de assistir à obra em primeira mão, já que o lançamento oficial está previsto apenas para abril de 2021, depois de um atraso de mais de um ano. O filme foi originalmente pensado para estrear em novembro de 2019, data em que o assassinato de Marighella por agentes do DOPS completaria 50 anos, mas encontrou percalços nas vias burocráticas da Ancine (Agência Nacional de Cinema), órgão federal do atual governo, que segundo Wagner Moura, tem perseguido e agido para censurar o filme.
Carlos Marighella foi um político, escritor, guerrilheiro, militante comunista e fundador da Aliança Libertadora Nacional, declarado “inimigo número um” do regime militar que governou o Brasil por mais de 20 anos. Uma época obscura do país, marcada pela censura, tortura e autoritarismo. Além de tudo, foi um homem negro, o que o colocava ainda mais em posição de ser perseguido num país marcado por ter seu alicerce num contexto histórico escravocrata e colonial. Não por acaso o período escolhido para as sessões foi a Semana da Consciência Negra (de 19 a 25/11), no cinema situado em frente à Praça Castro Alves, que recebeu o nome do autor conhecido como o ‘poeta dos escravos’.
O filme é baseado na biografia “Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo” escrita pelo jornalista Mário Magalhães, e retrata a perseguição que Marighella e seus camaradas sofreram, vivendo por anos na clandestinidade, e como a escolha pela luta armada contra a ditadura impacta também a vida pessoal dos militantes, além de seus familiares e amigos. O filho do comunista, que tem o mesmo nome do pai, esteve presente na sessão, acompanhado da sua filha Maria Marighella (que segue os passos do avô na política e foi recém eleita vereadora de Salvador). Ele se emocionou ao dizer que iria ver o filme pela primeira vez, relembrando que também foi uma vítima da perseguição feita a Marighella, o que tornava difícil assistir a obra. Além de perdê-lo muito cedo, Carlinhos teve que se mudar com a mãe para a Bahia, foi monitorado por agentes da ditadura, expulso da escola que estudava e perdeu muitos amigos no processo.
No filme Marighella é vivido pelo cantor e ator Seu Jorge, ainda no elenco estão Bruno Gagliasso como o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que comandou a perseguição ao revolucionário até a sua morte em 4 de novembro de 1964, além de Adriana Esteves, Humberto Carrão e Herson Capri, entre outros grandes nomes do cinema brasileiro.
A sessão teve os ingressos esgotados, com a lotação máxima permitida pelas medidas restritivas de combate ao coronavírus, que reduziu a capacidade das salas de cinema para respeitar o distanciamento social entre os espectadores. O público compareceu com camisas de cunho político e de protesto, reforçando o teor político visto no filme. A neta e o filho de Marighella fizeram um breve discurso antes da exibição, que foi seguido de coro de “Marighella, presente!” por parte dos espectadores no local.
Marighella é um gigante da história da Bahia e do Brasil, um personagem inspirador. Depois de ter assistido ao filme ficam claros os motivos que levaram à sua censura. Para um governo obscurantista e negacionista dos crimes da ditadura como o atual, figuras como ele devem ficar nas sombras para que o povo brasileiro não se inspire nas suas ideias e resolva também lutar. Mais do que nunca, é preciso voltar à Marighela e buscar seus ensinamentos para sair da inércia diante dos absurdos naturalizados no Brasil de hoje.