Sachês
Por El Canalha
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Assim que saí de casa fui abordado por um conhecido que não sabia se devia me abraçar. Com os braços e mãos molhadas eu gelei de suor ao me sentir obrigado a suportar o seu contato. No corredor do ponto de vendas no meio da rua troco a mesma respiração com um camelô que não usa máscara. Os ônibus não tem álcool em gel.
Clivado entre todas essas setas que me apontam me pego pensando em tudo o que poderia fazer, correr, fugir, ir embora para Portugal. Ou até frequentar o baba do fim de semana e abraçar os meus amigos depois de um gol. Quiçá ir em uma festa e conhecer o amor da minha vida, eu vivo sozinho.
Quando saí do trabalho fui até uma lanchonete e encomendei três salgados, em outros tempos talvez eu comesse por ali mesmo, vendo a vida passar enquanto apertava a bisnaga amarela de mostarda, mas com todas as medidas sanitárias eu precisaria levar. Resignado, peguei a embalagem com o velho dilema das sacolas e comidas prontas às quais não poderia lavar e tampouco encharcá-las com álcool setenta, por baixo dela esparramavam-se vários sachês, separei-os por cor e marca e higienizei-os, parecia que daquela vez eles colocaram todos os pacotinhos esquecidos em fundos de caixa e gavetas de geladeira, eram tantas marcas e tantos nomes que desisti de alguma suculência e resolvi comê-los como quem bebia um suco.
Ignorando qualquer contaminação resolvi arriscar-me abrindo cada um dos pacotinhos com o dente, me lambuzando com aqueles líquidos não tão vermelhos assim. Me sentia como o “Mineirinho” de Clarice Lispector onde cada mordidas era como um tiro. De repente, me deparo com um mais difícil, era um pacote brilhante e parecia saboroso, dei-lhe uma primeira dentada e só veio plástico, na segunda alguns papéis, na terceira um rato, na quarta uma camisinha, na quinta um feto, na sexta e na sétima duas velas de Cosme e Damião, na oitava um garfo, na nona uma lebre, na décima um chapéu, na décima primeira e na décima segunda um homem, só na décima terceira percebi tratar-se de um sachê de extrato de tomate.