Marília Moreira: “As pessoas também não acreditam mais no jornalismo”

Bruno Bandeira

Marília Moreira, jornalista há mais de 10 anos, afirma que a crise da credibilidade no jornalismo durante a pandemia está diretamente relacionada à crise da sociedade em geral. “Eu acho que as pessoas não acreditam mais nos políticos, não acreditam mais no jurídico e não acreditam mais também no jornalismo”. A jornalista, que hoje atua na revista paulista AzMina, cita também a existência de um comodismo por parte dos veículos jornalísticos no que diz respeito à busca por informações. “Eu entendo que há um conformismo da grande mídia – a mídia hegemônica – em correr atrás de informações. Ficam muito “ali” no declaratório”. Marília, antes de entrar na revista AzMina em setembro de 2020, chegou a trabalhar em diversos veículos regionais, como Bahia Notícias, iBahia e Correio. Agora em um contexto pandêmico, a jornalista se encontra em uma modalidade de trabalho efetivamente remoto e diz ver possibilidades muito interessantes para o próprio fazer jornalístico.

Entrando no tópico “pandemia”, como você acha que esta afetou no seu trabalho diretamente? Acredita que houve mudanças?

Eu posso falar de dois momentos da pandemia em relação ao meu trabalho. O primeiro momento em que eu estava [trabalhando] no Correio, em 2020, indo para a redação, trabalhando todos os dias na redação. Daí surgiu a notícia de que a pandemia chegou ao Brasil e que agora precisaríamos trabalhar de casa. Então teve toda essa adaptação desse esquema home-office, fazendo um jornal diário, o que levou a uma mudança de horários. Parte da equipe ainda estava indo para a redação, porque tinham questões de computador e de enviar para a gráfica o jornal. Eu não fui parte dessa equipe, eu consegui trabalhar de casa desde o primeiro momento. Mas, foi uma loucura essa adaptação. O segundo momento que eu penso é a minha entrada na [revista] AzMina, seis meses depois, em que eu me vejo nessa nova modalidade de trabalho efetivamente remoto, com uma equipe que eu não conheço. É desafiador muitas vezes, mas eu vejo possibilidades muito interessantes para o próprio fazer jornalístico.

 

Considerando todas as mídias onde o jornalismo existe, quais você acha que ganharam mais destaque desde o início da pandemia da Covid-19? Foi a digital?

Creio que o digital, essa questão dos podcasts, que estão aí debaixo desse guarda-chuva digital. A audiovisual também, mas podcasts, já entendendo mesmo essa linha digital, foram o grande marco desse momento. Em relação ao impresso, por exemplo, vi que vários jornais estão aí na tentativa de se reformular para poder gastar menos com impressão, etc. Acredito que com as pessoas saindo menos, não têm essa coisa de comprar na sinaleira, na banca, acho que deve ter caído bastante as vendas [dos jornais impressos]. Efetivamente, não foi o setor que mais cresceu, muito pelo contrário! [risos]. Mas, acho que [sim], o digital veio com força. Talvez televisão também, a questão das coberturas.

 

Na revista “AzMina”, vocês dizem abordar tópicos como as lutas da mulher, saúde, sexo, política, dentre outros. No contexto da pandemia, houve um aumento no número de coberturas relacionadas à “saúde” e ao Covid-19 por parte da revista?

Sim, totalmente. Acho que não tem como a gente estar vivendo um momento como esse no mundo e ignorar que estamos passando por isso e que as mulheres são as mais afetadas. Então, a nossa cobertura, por exemplo, destacou que as mulheres são as profissionais que estão na linha de frente, [já que] na área da saúde elas são maioria – enfermeiras, médicas, assistentes sociais. A gente lidou muito com esse assunto ali em abril, junho do ano passado. Enfatizamos também os órfãos da pandemia, [uma vez que] muitas mulheres morreram. Pautamos a questão da mobilidade. Eu mesma fiz essa matéria. As ruas estavam mais desertas, com menos trânsito de pessoas nos primeiros meses, menos ofertas de ônibus.  Vimos uma crise do transporte público de modo geral no Brasil, no ano passado.

 

Qual o seu posicionamento, como jornalista, em relação à queda na credibilidade do jornalismo em tempos de pandemia e ao crescimento das notícias falsas? Você acha que estes andam juntos?

Eu estou no mestrado “né”, estou tentando terminar um mestrado, com defesa quase marcada para dezembro. Espero que tudo funcione! [risos]. Na minha dissertação, eu investigo essa questão que eu chamo de “valores jornalísticos”. São esses valores da objetividade, do interesse público, da atualidade, que a gente aprende desde o primeiro semestre da graduação e que são importantes para o jornalismo. [Dito isso,] a crise do jornalismo tem a ver com a crise da sociedade de forma geral.  Eu acho que as pessoas não acreditam mais nos políticos, não acreditam mais no jurídico, e não acreditam mais também no jornalismo. Não é algo isolado. Mas, na forma como a gente fala sobre o nosso fazer e como a gente de fato faz, há um descompasso. Então, entender que objetividade é essa que a gente arroga? Que interesse público é esse que a gente está atendendo? A partir daí, isso pode nos dar algumas pistas para entender o que a gente pode mudar também. Não é ver esses valores como essência, mas é entender que eles são ferramentas políticas. Uma objetividade que desconsidera as mulheres é tão objetiva assim? Temos que pensar essas coisas para entender que o jornalismo pode sim estar a serviço da democracia e dos direitos humanos. Enquanto o jornalismo não estiver nessa relação tão estreita, continuaremos sendo desacreditados. Eu acho, sim, que o crescimento das fake news está ligado a esse processo de falta de confiança nas instituições. E claro que há um uso político também [das fake news]. Quem tem dinheiro consegue fazer fake news.

 

Durante a pandemia, em um período de um ano, mais ou menos, o foco de todas as notícias do cotidiano eram sobre o Covid-19. Você acha que isso contribuiu para a dessensibilização da população em relação à pandemia?

Não acho que seja o conteúdo e o volume de notícias sobre o coronavírus que fez a sociedade se dessensibilizar. Muita gente já estava dessensibilizada, por essas questões de fake news que a gente falou, por exemplo. A gente tem questões religiosas, sociais e econômicas em jogo. O Brasil é muito diverso. São muitas realidades, então é difícil comunicar, muitas vezes, para muitas pessoas. Realmente, o jornalismo ainda tem essa questão de não ser tão diverso. Às vezes, você tem ali emissoras baseadas em São Paulo, Rio de Janeiro, falando para um Brasil que… é enorme, que tem outros anseios. Vai falar de isolamento social para uma casa que tem 12 pessoas morando juntas e que precisam sobreviver, sair para trabalhar e colocar comida em casa no dia? Não vai colar, sabe?  A gente tem um Brasil muito vasto e o jornalismo ainda não cobre esse Brasil. [Logo,] não acho que foi isso o que contribuiu para essa dessensibilização. Talvez, a forma como fazemos notícias e esse lastro de desigualdade que tem no país.

 

Como você vê o futuro do jornalismo após a pandemia?

Que pergunta difícil. Eu acredito no jornalismo [risos]. Muitas vezes, eu me desiludo, muitas vezes eu me paraliso em ver que o jornalismo está a serviço de estruturas e de… radicalismos, mesmo. Acredito que nós favorecemos esse ambiente polarizado, mas ao mesmo tempo temos esse dever, essa responsabilidade, de qualificar o debate público. Então, eu vejo com bons olhos o futuro do jornalismo, sempre. Eu creio nisso, eu faço isso. Mas, não garanto que isso seja real. Há muitas forças em jogo – forças econômicas, inclusive. Eu tenho medo desse futuro, esse futuro que está nas mãos de poucas pessoas. Porém, eu acho que sempre foi assim. Hoje em dia a gente tem a internet, com pessoas falando e fazendo grupos independentes que podem vir a dar um olhar diferente sobre a nossa realidade. A pandemia, nesse aspecto da possibilidade do trabalho remoto, talvez favoreça uma questão de diversidade regional. Como eu falei, entrei na [revista] AzMina em setembro de 2020, éramos 5 pessoas, hoje somos 16. Temos gente de Recife, Salvador, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro. Quando é que a gente imaginaria que isso seria possível numa realidade pré-pandêmica? Acho que isso vai impactar na qualidade do jornalismo que a gente faz.

 

Considerando a pandemia do coronavírus, onde você acha que o jornalismo acertou ou errou mais?

É uma pergunta difícil. Primeiro, porque não consigo ver o jornalismo como “O jornalismo”, essa coisa etérea. A outra questão é que o jornalismo é muitas coisas. Se eu falo de jornalismo da Folha de S. Paulo, de estruturas que tem recursos, é uma coisa. Se eu falo de jornalismo sem fins lucrativos, é outra coisa. Se eu falo de jornalismo local, é outra coisa.

 

Mas, por exemplo, você acha que a ausência de dados oficiais da pandemia foi uma falha do jornalismo, foi onde ele errou?

Não foi o jornalismo que errou, porque quem não deu acesso aos dados foi o governo. Nós não temos um governo transparente. A gente teve, inclusive, um senso suspenso no ano passado, por restrições pandêmicas, mas também porque não é interesse do governo ter esses dados e fazer políticas públicas para pessoas que precisam delas. Então, eu acho que não é uma falha do jornalismo essa falta de acesso a dados. O jornalismo tentou ao máximo. Inclusive, os grandes veículos fizeram um consórcio de modo a pegar, diariamente, da Secretaria da Saúde, os dados sobre óbitos, sobre internações… Eu entendo que há um conformismo da “grande mídia” [aspas com os dedos] – a mídia hegemônica – em correr atrás de algumas informações, ficam muito “ali” no declaratório. Porém, estando na redação, a gente não tem condições de dar conta de tudo. Eu citei algumas matérias que fizemos na AzMina, por exemplo, sobre os órfãos da pandemia. Quantos são esses órfãos? O governo deveria estar assistindo essas famílias. Nós não temos nenhum dado, quem dirá uma assistência.

 

E onde você acha que o jornalismo, ou como você disse, os tipos de jornalismo foram cruciais durante a pandemia?

Essa questão do consórcio dos grandes veículos foi crucial para a gente ter esses dados. O jornalismo independente [que também] pautou as realidades locais, de grupos. Por exemplo, penso na revista Afirmativa, na Notícia Preta, na AzMina, trazendo a questão das mulheres. Penso nessa cobertura local dos veículos independentes. Não só local também, mas específica, no sentido de interesses. Creio que sejam ganhos da cobertura da Covid, mas que ficam aí para outros temas.

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