Francisco Lopes: “O jornalista participa de uma cirurgia sem colocar a mão no bisturi”

Luiz Felipe

Repórter da TV Aratu há 5 anos, Francisco Lopes acredita que muitas vezes o jornalista participa da construção da realidade, mas com certas defasagens de conhecimento denso: “O jornalista tem que contar uma estória sem conhecer aquela estória muitas vezes, sem conhecê-la com profundidade”. Mas frisa que um dos principais papéis do fazer jornalístico foi acentuado na pandemia e reconhece a necessidade de conhecimento sólido para transmitir uma informação com credibilidade: “O jornalista que não pesquisa, que não quer saber o que está falando, acaba transmitindo uma informação rasa. Isso em qualquer momento, mas com a Covid, o jornalista teve que descobrir e ver um mundo que não fazia parte da rotina dele”.

O repórter está em constante atividade diariamente, como na busca de informações para propagar notícias. Como o senhor se sente na execução de funções durante a pandemia?

A primeira dificuldade, principalmente no começo da pandemia, foi o medo, que perdurou e perdura até hoje porque era tudo novo, era tudo desconhecido e a gente tinha que lidar com pessoas enquanto tudo estava fechado, todos em casa. Como jornalista que estive na linha de frente, claro não como médicos e pessoas da área de saúde, mas entrevistando pessoas que estavam em busca de um possível tratamento. Entrevistando pessoas na rua, nas filas de postos de saúde, tive medo. Acabou dificultando é claro: concentração, fazer o próprio texto, redigir o texto, me atrapalhava a locução da reportagem. Então o medo não transformou, mas mudou um pouco. Foi passando a pandemia, decorrendo, a gente foi conhecendo um pouco, descobrindo o que era a pandemia. Hoje eu não digo que voltou ao normal. Mas a gente acaba se acostumando e sabendo lidar com o que era o medo. Ainda existe o medo, mas agora com a vacinação, há pelo menos mais segurança sanitária. Então hoje minha vida não voltou ao normal como jornalista, mas eu não sinto mais dificuldade de lidar com a notícia, mesmo com a pandemia.

Quais principais mudanças podem ser apontadas na rotina da produção de notícias durante a pandemia?

A minha rotina é mais da redação para fora. Eu já tenho a pauta pronta. A minha rotina é mais execução e na execução mudou a agilidade. A agilidade de trazer a notícia. Primeiro, os entrevistados: quando você vai na rua, tem contato com os entrevistados. Não tinha entrevistados nas ruas. Não tinha rua. Não tinha ninguém na rua. Então, era você e você mesmo mostrando como estava. Nos primeiros dias a gente não sabia o que fazer. Para uma emissora, para um jornalista que entrevistava pessoas, era difícil. Você ia para rua fazer um texto, um plano de sequência, uma nota coberta ou um ao vivo passando a informação. Muitas vezes uma informação que você não sabia se era correta. Foi uma mudança. Era eu falando. Eu mostrando a realidade sem ninguém. Onde eu trabalho as pessoas usavam principalmente entrevistas online, as entrevistas pelos aplicativos. Foi-se obrigado a usar, só tinha isso porque as pessoas não queriam abrir as casas. Então, nós tivemos que mudar um pouco a forma de trabalhar: somente com entrevistas online. O Zoom, por plataformas digitais. Ali a mudança foi: a gente não tinha mais a pessoa, presencialmente. Começou a procurar o entrevistado na casa dele, mas por matéria de computador. Isso deixou as entrevistas um pouco mais frias. A expressão da pessoa, você não podia tirar algo mais porque era máquina por máquina. Então, a entrevista ficou mais fria.

No contexto pandêmico, quais principais dificuldades encontradas na apuração de informações para a produção de notícias?

Passou a fase de 15 dias, a dificuldade era: como entrevistar alguém pelo Zoom. Uma coisa é você fazer uma entrevista por ano. Em toda a minha vida, eu entrevistei pessoas pelo Zoom pouquíssimas vezes, em casos bem extraordinários. Então, foi um desafio, uma mudança, como extrair daquela pessoa uma coisa além do que está pedindo a pauta. Quando você está com a pessoa presencialmente, você extrai algo a mais, pelo Zoom é difícil. Outra coisa: no segundo passe, já depois de uns dois, três meses, as pessoas começaram a abrir as casas. Outra dificuldade: você tinha que seguir uma série de recomendações. Tirar sapato, andava com álcool em gel, andava com spray, dois microfones, tudo de longe. Estava pessoalmente, mas não com aquele contato mais físico, porque entrevistava a distância. Também foi uma dificuldade não ter esse contato. Outra dificuldade que eu sinto também, é lidar com muitas informações encontradas, muitas vezes. Além de trabalhar com desmentir informação falsa, era saber o que era informação correta. Ninguém tinha a informação correta, mas construída. A gente estava construindo a informação. Essa parte foi legal, porque participava do processo de construção das informações da Covid-19.

Como se deu o trabalho noticioso frente às novas plataformas digitais usadas para entrevistas durante a pandemia?

Eu, como jornalista de televisão que trabalho com imagem, tinha um pouco de bloqueio porque sempre foi aquela imagem mais limpa, mais enquadrada e ter o contato com o entrevistado. Acabou isso, com a Covid acabou. Você não tem mais aquele fino trato com a imagem algumas vezes. Eu acho isso bom também porque você ouve, hoje você pode entrevistar qualquer pessoa, de qualquer idade, você abre mais oportunidades para outras pessoas poderem falar. Você pode entrevistar um profissional do outro lugar do mundo, antigamente não era possível. Você tinha que achar um personagem daqui. Tem a preocupação, mas você acaba não se preocupando tanto com a qualidade da imagem. Você dá uma série de dicas: faz assim, faz assado, mas também chega uma hora que limita. É aquilo ali e pronto e aconteceu isso na pandemia. Eu acho que isso veio para ficar, talvez se use menos, mas veio para ficar e eu apoio. Eu acho que foi uma das coisas mais importantes no jornalismo: desconstruir essa imagem da televisão que tem de ser bonito, tem que ser plastificado. Isso caiu um pouco hoje

Que diferenças a imposição do aspecto científico trouxe para a produção de notícias durante a pandemia?

O jornalista que não pesquisa, que não quer saber o que está falando, acaba transmitindo uma informação rasa. Isso em qualquer momento, mas com a Covid, o jornalista teve que descobrir e ver um mundo que não fazia parte da rotina dele. Eu digo muitas vezes que o jornalista participa de uma cirurgia sem colocar a mão no bisturi. Tem que contar uma estória sem conhecer aquela estória muitas vezes, sem conhecê-la com profundidade. Na pandemia comecei a conhecer termos, técnicas, descobrir coisas, como: ir atrás de informações mais técnicas, informações estas que você tinha que passar para quem estava do outro lado. Isso trouxe uma riqueza e qualidade da informação, para não passar qualquer notícia para quem está do outro lado. Apesar de ser um momento difícil, a gente tinha que saber o que falar. Eu mesmo fui atrás, liga para médico, tira dúvida: “posso falar isso? Como vou falar aquilo?” Quando saiu a vacinação, muitas vezes, eu ligava para alguns amigos médicos e perguntava: “Se eu falar isso, vou falar besteira? Se eu escrever isso, vou escrever besteira?” Eu não sei fazer algumas coisas, então eu vou contando o que os outros me contam. Se eu tenho dúvida, provavelmente quem está em casa, tem dúvida também. Então, eu não posso ficar na dúvida e não devo falar besteira e coisas que eu não sei, se não, vou passar a informação errada. Então vira e mexe ainda faço isso: a não falar o que não sei e se surgir dúvida, eu ligo para o profissional ou para o profissional que entrevistei naquele momento e deixei de perguntar ou ligo para outro. Às vezes eu mando até um texto para ele. Se não informar errado, também não pode acabar informando equivocadamente. Eu acho que é importante e isso trouxe mais informação para o jornalista, trouxe mais vontade de ir em busca do que não sabia. Não é simplesmente consegui aqui, vou passar a informação: fazer uma intubação é “isso, isso e isso”. É ir atrás: o que é entubar, o que é esse termo, como que faz. Eu pelo menos fiquei mais curioso em conhecer o que eu estava falando, não falar superficialmente. Talvez porque a gente tinha mais tempo. A rotina ficou um pouco diferente, então deu para pesquisar um pouco mais, se aprofundar, o que muitas vezes não dá.

Após o olhar pandêmico, como o senhor define o jornalismo noticioso e como isso muda seu olhar para produção jornalística daqui pra frente?

É prematuro falar do que ainda está em construção. Acho que essa Era vai precisar de estudos para mostrar o que estamos vivendo daqui a 10 anos. Mas o jornalismo não vai ser mais igual, não tem como ser mais igual. Tecnologicamente não tem como ser mais igual. Os jornalistas não podem ser mais iguais, porque eu mesmo vivi momentos de tensão. Eu já entrevistei muitas famílias de pessoas que morreram, mas na pandemia você entrevistava pessoas aos montes. Você tinha contato com pessoas de diferentes casos: morreu com uma semana, morreu com um mês, morreu com um dia, morreu com uma hora. Então, disso daí querendo ou não, eu vou levar um crescimento profissional, crescimento humano para vida toda e me conheço como profissional humano. Eu conheço a minha profissão e muda o olhar jornalístico de contar estória. Eu acho que o jornalismo tecnicamente já mudou, isso é fato. É só assistir ao Jornal Nacional que você vai ver que mudou: as entradas, as sonoras. Eu acho que vai mudar também o jornalista. Falo por mim: mudei bastante também. Eu nunca imaginava que seria assim. Então, eu acho que para medicina, muitos avanços; mas para o jornalismo, para comunicação, a pandemia trouxe um olhar mais humano e agora nos resta o que ficou de bom e passar para as novas gerações.

Como o senhor se sente ao lembrar do contato mais próximo e humanístico de antes?

Eu sempre fui um cara meio chorão, sentimental. Com a pandemia eu aprendi a dar um pouco mais de valor à vida. Eu perdi pessoas próximas, contei estórias de pessoas que perderam pai, mãe, tio, tia, avô. Eu acho que trato a humanidade com um pouco mais de carinho. Eu espero não perder isso. Antes da pandemia {emoção} era diferente. Porque foi um turbilhão de emoções, foi ontem. Não faz nem dois anos. Eu sempre fui um cara muito humano no jornalismo. Eu tenho saudade. As coisas estão voltando. Antes eu chegava numa entrevista, abraçava, beijava, estava no meio do povo. Hoje está no meio do povo, a gente não está podendo. A gente não abraça, não beija quem não conhece. Tem aquela resistência ainda. Antes era bom. Não é que agora é ruim. Está diferente. Eu sou um cara muito maleável. Eu sei me adaptar muito fácil às mudanças. Até as ruins. Não tem jeito, a gente vai se adaptando. Então, era bom antes da pandemia. Hoje no que eu posso fazer, para mim está bom. Eu quero poder chegar na pauta, abraçar e beijar todo mundo. Hoje eu não posso, não faço isso ainda. Mesmo com as duas doses, ainda não faço.

Como as mudanças na produção de notícias atualmente impactam no futuro do jornalismo?

O jornalismo vai mudar, mudou e não tem volta. O jornalismo pós-pandemia não tem volta. Essa mudança que teve não tem volta e financeiramente também falando. Quando você entrevista alguém pelo Zoom, está economizando combustível, está economizando tudo, está economizando hora do jornalista, traslado. Você está gastando somente energia de um computador que já está ligado. Jornalismo também é comércio, jornalismo também é uma empresa. A gente tem que fazer jornalismo, mas pensar que é uma empresa que tem que dar lucro. É por esse caminho que a gente vai seguir agora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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