Entre receio e entusiasmo, os idosos baianos retomam as atividades presenciais

Maria Raquel Brito e Mariele de Jesus

Desde outubro passado, quando foi decretado pelo governo estadual da Bahia que as atividades presenciais voltassem, os idosos tentam readaptar-se ao mundo exterior entre animação, receio e ansiedade. Há consenso entre os entrevistados acerca do aumento de confiança proporcionado pela vacina. De acordo com o governo do estado, cerca de dois milhões de idosos baianos já receberam as duas doses.

O emocional dos idosos foi especialmente abalado durante a pandemia. Segundo pesquisa de estudantes da Fundação Oswaldo Cruz, foi constatado que no ano passado, um terço da população idosa sofreu de ansiedade, sendo 38,1% das mulheres e 23,2% dos homens, entre uma amostra de 9.173 idosos. “A ansiedade é comum. Mas quando ela prejudica a alimentação, o sono, causa falta de ar, ataque cardíaco… Ao impedir as suas atividades diárias, já deve-se ficar atento”, diz Monique Tâmara. A psicóloga e gerontóloga alerta também para alguns sintomas que podem ser indícios de depressão: “dificuldade para se alimentar, dores físicas, problemas para dormir, perda de memória, ficar recluso.”

Maria Vicentina, de 77 anos, moradora do bairro de São Gonçalo, não abriu mão de seus momentos de tranquilidade com os vizinhos, mesmo apreensiva por conta da pandemia. “Bebi, curti, ia para o samba aqui em cima… Fiquei em casa logo no início, que você não via um pé de pessoa na rua, não via ninguém. Para mim não teve diferença nenhuma. Porque eu não saí né, fiquei em casa, e quando eu comecei a sair fui para o samba, viajei.”

Preocupada com a saúde física e psicológica de Vicentina, sua neta, Vitória (20), explica que permitir que a avó saísse foi uma questão de saúde mental. “No início, bem no início mesmo, prendia ela em casa e não deixava que ela saísse e tal. Mas o que acontece é que todos os vizinhos sentavam aí fora para beber, ou então entravam aqui [em casa]. E aí, mesmo a gente não gostando, o pessoal vinha e ela deixava. Mas se ela ficasse aqui sozinha em casa também, ia ficar doida. Eu acho que isso foi uma questão já da saúde mental dela. Que a cerveja é a forma que ela usa [para lidar com a ansiedade].”

O estudo ainda constatou que o distanciamento social e a privação de fazer as atividades presenciais foram fatores que contribuíram para que a solidão afetasse 57,8% da população idosa feminina e 41% da masculina durante o ano de 2020. A volta a ter contato social presencialmente, desde que siga os protocolos estabelecidos pela OMS, é positiva para os idosos, afirma a psicóloga.

O isolamento social trouxe, além das consequências psicológicas, prejuízos físicos. Antônio Silveira, de 74 anos, vive no bairro do Cabula, em Salvador. O ex-professor, que pratica exercícios como fisioterapia, hidroginástica e academia, relata que  sofreu física e mentalmente ao parar de se exercitar nos ambientes adequados devido à pandemia. Apesar de continuar receoso e não aprovar o uso do termo “pós-pandemia” para descrever o cenário atual, ele diz se sentir melhor psicologicamente após ter sido vacinado. Com a segurança possibilitada pela vacina, seu Silveira se viu mais confiante para voltar a realizar seus exercícios nas clínicas e na academia.

Professora de educação física, Fábia Karina percebe experiências semelhantes à de Silveira entre seus alunos. Ela relata que com a vacinação e informações, os idosos voltaram a aderir às aulas de hidroginástica no modelo presencial. Segundo a professora, eles visam a cuidar do emocional e do físico. “Neste momento, percebo a adesão muito maior. [Os idosos] buscam nas aulas superar os momentos de perdas, de isolamento e tudo que a presença da Covid-19 em nossa sociedade trouxe, e as suas marcas deixadas. Estavam ali buscando saúde através da prática regular de exercício, entendiam que era uma forma de melhorar sua condição física e emocional”, diz Karina.

Monique Tâmara declara que  o isolamento social e o fato de a família julgar o idoso como passivo contribuíram para o aumento da depressão e da solidão, que em si já existe na terceira idade. A psicóloga avalia ainda que o emocional dos idosos foi prejudicado não só pela pandemia, mas também pela negligência que sofrem. “Os idosos não foram negligenciados, eles sempre são negligenciados. Com a pandemia, isso só intensificou ainda mais.”

O aumento da solidão entre os idosos de asilo

6 de maio do ano passado, devido à pandemia, o Ministério da Cidadania suspendeu visitas nos asilos. Muitos idosos que vivem em asilo sentiram sua solidão aumentar por não poder receber seus parentes e amigos. No asilo Lar para Idosos Maria de Lourdes, situado no bairro de Vila Laura, em Salvador, a coordenadora Sandra diz que, após a vacinação, o asilo já voltou a receber visitas, principalmente das famílias dos idosos, mesmo durante a pandemia os recebiam, sob as exigências de máscara e guarda-pó.

Dona Ana, 92 anos, idosa residente do asilo, conta ter sentido sua depressão aumentar durante a pandemia, uma vez que as visitas já escassas dos sobrinhos, que vivem em Vitória da Conquista, foram impossibilitadas completamente pela pandemia: “Senti muita tristeza. Sempre fui órfã de família. Na minha família, os mais velhos morreram primeiro que eu, e eu fiquei sozinha. Por isso vim para cá”. 

Também residente do Lar Maria de Lourdes, Emília Augusta, 84 anos, afirma que, para ela, a pandemia não existiu. No Lar há dois anos, ela relata que a família não costuma fazer visitas e que, por também não poder sair, não sentiu os efeitos da pandemia nas atividades que costuma praticar dentro do asilo. 

Diferentemente das visitas, os cultos evangélicos que eram realizados no asilo antes da pandemia ainda não retornaram. Dona Ana, que vê os cultos como uma forma de diminuir sua tristeza, diz sentir muita falta dessa atividade. De acordo com Sandra, os idosos que residem no Lar Maria de Lourdes têm acesso a terapeutas uma vez por semana e, ainda que os casos de depressão e ansiedade tenham piorado no início da pandemia, a situação tem melhorado desde então.

O retorno à normalidade nas cidades de interior

Os modos de encarar a pandemia se deram de formas diferentes a depender dos costumes e do local onde cada pessoa vive. Josefa Batista, 78, residente da cidade Ribeira do Pombal, município interiorano com cerca de 54 mil habitantes, conta que se adaptar à mudança de hábitos que a pandemia proporcionou foi desanimador. “Não ir aos lugares que eu gostava, não poder ir no mercado e na feira, que eram coisas que eu gostava, [me deixou] muito desorientada.” Embora nesse momento as atividades já sejam presenciais, ela diz que hoje não sente vontade de ir à feira como antes, uma vez que, com a pandemia, essa atividade passou a ser bem mais impessoal.

Com 83 anos, Raimundo Conceição Pereira, mais conhecido como Mundinho do Mercado, vende frutas. Residente de Humildes, distrito de Feira de Santana que conta com uma população de cerca de 15 mil habitantes, ele relata que se manteve ativo, trabalhando, durante todo o período pandêmico. “Todo dia eu ia para o mercado. Não tinha medo da covid. Mas usava meu álcool em gel de manhã e a minha máscara direto”, afirma.

Dona Josefa, que sempre foi muito ativa, relata estar com o psicológico melhor após se vacinar com as três doses para a retomada das atividades, mas ainda diz sentir medo. Por outro lado, Raimundo, também do interior, conta não ter sentido medo nem mesmo antes da retomada pós-vacinação. “Não tive medo e não tenho até hoje. Ia trabalhar todos os dias. Minha batida [cachaça] eu tomava. Não estou tomando agora por causa da cirurgia que fiz. O corona não quer conta com cachaça. Tinha dia que eu tomava quatro bebidas.” 

Muitos idosos se apegam à fé para conseguir permanecer firmes diante do cenário pandêmico. “É muito importante a gente ter fé em Deus, confiar. Se não fosse pela fé que temos em Deus, para mim, teria sido pior. Porque a gente tendo fé, parece que, mesmo com aquele medo, tem um pouquinho de confiança”, diz dona Josefa.

Segundo dados do Governo do Estado, o vírus trouxe à óbito 27.270 vidas na Bahia, sendo 1.251 em Feira de Santana. Raimundo conta que, em seus 83 anos de vida, nunca viu uma doença matar tantas pessoas como o novo coronavírus, mas diz que sentiu mais medo da cirurgia que fez na semana da entrevista do que da covid.

Entre incertezas e inseguranças, ambos Josefa e Raimundo desejam que esse momento fique para trás. Confiante, dona Josefa declara: “Vai voltar ao normal, com fé em Deus. Se todo mundo se vacinar!”

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