Alane Reis: “Hoje tem cada vez mais forte a reflexão que não existe imparcialidade no jornalismo”

Anne Meire Cardoso

É com essa frase que Alane Reis, 30, conta seu pensamento sobre jornalismo alternativo. A cofundadora e atual editora da “Revista Afirmativa” está envolvida no ativismo social desde a primeira semana de aula da graduação, quando por acaso entrou em uma reunião do movimento negro. ”O jornalismo é constituído por narrativa. A narrativa é constituída por discurso. E todo discurso apresenta uma vinculação política”, realça. Através de entrevista realizada via Google Meet, Alane explica que a revista foi fundada para contar a história das políticas afirmativas no Brasil. “A presença de pessoas pretas nesses espaços faz com que as nossas experiências, nossos lugares de fala, nossas perspectivas, os problemas que percebemos e enfrentamos na sociedade virem assunto de produção jornalística”, alega. Hoje, a revista conta com cerca de 38 mil seguidores no Instagram.

Como a Revista Afirmativa se mantém?

Já fizemos muitas experiências de como conseguir movimentar recursos. Por exemplo, sou ativista do movimento das mulheres negras e sempre gostei muito de viajar. Eu ia para os lugares com a revista na mochila e a gente vendia alguns exemplares. Era uma coisa muito jovem! Hoje em dia não é assim. A gente se mantém de duas formas, escrevemos projetos para editais públicos, editais de organizações sociais, porque temos uma dupla identidade, ao mesmo tempo que somos um veículo de comunicação, somos uma organização do movimento social. Esse ambiente faz com que consigamos, de vez em quando, aprovar projetos em editais que nos financiam para fazer esse tipo de trabalho ativista. A outra forma mais nova e que tem dado muito certo é o trabalho como agência de comunicação. Prestamos serviço como agência de comunicação e os recursos mantém nosso trabalho na Afirmativa que ainda não tem financiamento direto. Também é muito novo ‘esse negócio’ de conseguir manter uma equipe remunerada. Temos oito anos de história, mas o marco em que a gente consegue pagar as pessoas é um dado de 2020 para cá. Todo mundo precisa pagar suas contas. A gente vem conseguindo de alguma forma manter de maneira remunerada todo mundo que constrói, é colaborador. Mas é uma novidade para a gente.

Como surgiu a ideia da revista?

O STF tinha aprovado a Lei de Cotas em 2012. Só que uma coisa me incomodava muito: na UFRB, que é uma universidade que sempre foi de maioria de pessoas negras, diferente da UFBA, existia uma negação de muita gente em relação às políticas afirmativas. De dizer que ‘era entrar pela janela’, de acreditar que isso fragiliza a qualidade da ciência. Nessa época eu estagiava na PROPAAE. Ouvi que tinha um recurso de publicação que estava para voltar porque não ia ser aplicado. Conversei com a minha coordenadora de estágio, Denise Ribeiro, perguntei se poderia junto com outros estudantes fazer um projeto de publicação e ela disse que sim. Então escrevi um projeto sobre uma revista que contasse a história das políticas afirmativas no Brasil. Inclusive, a UFRB apoiou a impressão da primeira edição da revista que foi lançada em março de 2014. Ao mesmo tempo que criamos uma revista impressa, também criamos um blog. Depois de um tempo veio a formatura e perdemos o vínculo com a universidade. A partir disso, começamos a trabalhar de forma independente. Passamos a produzir muito mais para o virtual, porque é mais barato. Hoje a Afirmativa funciona inteiramente no virtual, mas estamos nos organizando para lançar uma edição impressa esse ano. O impresso virou algo que quando fazemos se transforma em um documento, vira um meio de formação. Com a revista impressa vamos a quilombos, cursinhos pré-vestibulares, escolas públicas. A gente usa a revista impressa como meio de divulgar o trabalho, como forma de sensibilizar a juventude sobre a importância da leitura.

Você acredita que a política de cotas impactou o jornalismo baiano?

Com certeza. A presença de pessoas pretas nesses espaços faz com que as nossas experiências, nossos lugares de fala, nossas perspectivas, os problemas que percebemos e enfrentamos na sociedade virem assunto de produção jornalística. Acho que no Brasil ainda não tem esse impacto de maneira tão forte, apesar de já ter acontecido progressos. Aqui na Bahia, especialmente, eu acho que temos um novo cenário. Isso não quer dizer que os problemas sociais e raciais sejam impressos em sua real profundidade. Por exemplo, a polícia baiana é a que mais mata pessoas no Nordeste. Isso precisa ser trazido como uma prioridade editorial. Porque não são casos isolados. Isso é a violação do direito humano mais fundamental que é o direito à vida.

Até que ponto o jornalismo alternativo se separa da militância? É necessário separar?

Para nós não se separa. É por isso que digo que existem diversas concepções culturais, étnicas e profissionais no campo do jornalismo. Existe um grande mito que também é cada vez mais quebrado que é a ideia da imparcialidade. Hoje tem cada vez mais forte a reflexão que não existe imparcialidade no jornalismo, mesmo entre os veículos de mídia negra que tem surgido cada vez mais, inclusive com perspectivas empresariais, como o Alma Preta. O jornalismo é constituído por narrativa. A narrativa é constituída por discurso. E todo discurso apresenta uma vinculação política. Existe um crescimento do setor progressista no jornalismo que vem dizer que o jornalismo precisa refletir a sociedade. E a sociedade é desigual.


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