Jamile Menezes: “Eu queria ter um portal em que pudéssemos nos ver, ver a nossa cara preta estampada”

Elaine Sanoli

Em entrevista, concedida via web, Jamile conta as nuances e dificuldades do jornalismo independente.

É com essa ideia que Jamile Menezes, 40, expressa sua motivação pessoal para a criação do “Portal Soteropreta”. Formada em jornalismo pela Faculdade da Cidade de Salvador há mais de 10 anos, a assessora orgulhosamente desenvolve há cinco anos seu projeto político. O “Portal Soteropreta” tem por premissa básica reportar a produção cultural negra soteropolitana. “Eu observava que era uma lacuna aqui na nossa cidade um veículo de comunicação que desse destaque para essa produção cultural negra”, destaca. Assim, ao longo de quase 6 anos, Jamile administra, de maneira solo, o seu portal na internet. O portal tem cerca de 10 mil seguidores nas redes sociais Facebook e Instagram. Além disso, recebe uma média de 300 a 400 acessos diários no website, conforme afirma a criadora.

  • Em primeiro lugar, por que comunicação?

Sempre gostei muito de escrever. Não tinha muita certeza sobre algumas coisas, mas a única certeza que eu tinha é que gostava muito de ler, escrever e contar histórias. Foi por isso que comecei a pesquisar mais sobre a área da comunicação. Eu tinha também uma atuação no movimento negro que me colocou de frente para algumas oportunidades nessa área e resolvi fazer. Foi a melhor coisa que eu fiz!

  • O ativismo sempre foi presente na sua vida?

Desde que comecei a pensar em fazer jornalismo. A primeira matéria que escrevi na vida foi para um jornal do movimento negro chamado “Irohín”. Não existe mais, era impresso, feito em Brasília pelo Edson Cardoso, que é um ativista, comunicador e escritor. Foi com essa oportunidade que eu vi que eu tinha pertencimento nessa comunidade, que tinha uma identificação com essa atuação, com esse ativismo. Entendi que essa era a “minha praia”, falar e reportar sobre questões raciais.

  • Você teve dificuldades sendo uma mulher negra na área de comunicação?

Digo para você que não. Eu não tive dificuldades nesse sentido. Sempre atuei dentro de ambientes muito favoráveis à minha condição e atuação racial. Acho que sempre tive essa sorte, digamos assim, de estar perto de pessoas que estimularam essa minha atuação.

  • O que motivou a sua escolha pelo jornalismo em seu aspecto cultural?

Foi uma atuação que chegou para mim, me encantei com ela e resolvi permanecer nessa área. Vou buscando estar nessa área, mas as minhas buscas profissionais são sempre em torno de assessoria de comunicação. Se for dentro da cultura, para mim está incrível. Se não for, a gente leva do mesmo jeito.

  • Qual sua maior crítica ao jornalismo tradicional baiano?

Acredito que a “mesmice”, sabe? A falta de espaço para coisas novas. É uma coisa que vem crescendo muito. Existem canais tradicionais hoje que a gente consegue ter uma visibilidade maior em relação às questões raciais. Não somente no mês de novembro e no mês de maio.

A gente não pode negar que a mídia tradicional vem se curvando a dar espaço, a visibilizar vozes não ouvidas antes, vozes negras principalmente. Acho que já conseguimos galgar um espaço importante dentro dessa comunicação tradicional. Não somos mais tão invisíveis assim.

  • Quais foram os aspectos do jornalismo de Salvador que te fizeram dar início ao “Soteropreta”?

Eu percebia que era uma lacuna aqui na nossa cidade. Não tínhamos um veículo de comunicação que desse destaque para a produção cultural negra, que é muito grande. Indo para alguns eventos eu percebi isso e disse “acho que está na hora de fazermos alguma coisa”.

Queria ter um portal em que a gente pudesse ver a nossa cara preta estampada, onde a gente pudesse ter destaque. Não só na nossa voz, mas a nossa imagem. E que a nossa imagem não fosse apenas reportada nas colunas policiais. Queria que estivéssemos em destaque no que a gente produz de melhor, que é a questão da cultura. Eu chamei algumas pessoas para fazer parte, mas acabou não dando certo. Aí fundei o portal sozinha mesmo e o portal é feito só por mim até hoje.

  • Então você é a equipe por trás do “Soteropreta”. Como é, na prática, fazer todo o trabalho sozinha?

É complicado. É difícil, porque eu tenho um trabalho fixo. Sou assessora de comunicação da Fundação Cultural do Estado, coordeno a comunicação dessa fundação. Tem alguns freelas de assessoria de imprensa que eu faço, de gestão de rede social também. É muito pouco tempo, essa é a minha maior dificuldade de produção. Então as maiores dificuldades são tempo e mãos para trabalhar, mas por enquanto estou conseguindo fazer.

  • Então você recebe pautas do público. Como é a formulação e desenvolvimento das pautas?

A princípio eu achava que não ia ter tanta demanda, que seria difícil conseguir conteúdo, mas depois que colocamos “na rua”, já começamos com muitas sugestões. Recebo pauta pela rede social, por e-mail e pelo WhatsApp. Fico sabendo de alguma coisa e vou atrás da pessoa que organiza e aí produzo. No início, eu fiz algumas pautas específicas, espontâneas mesmo, mas hoje em dia, o que falta é tempo para produzir, pensar pautas.

  • Seu portal tem o objetivo de atingir uma população com maior enfoque na cidade de Salvador. Como tem sido o alcance?

Temos um público mais voltado em Salvador, a maior parte do público que temos de alcance é na Região Metropolitana. A última vez que pesquisei, tínhamos um acesso de uma média de 300 a 400 pessoas por dia visualizando o portal, o que é muito bom.

Não é um alcance do iBahia, por exemplo, mas não me comparo ao iBahia, o objetivo é outro, a estratégia é outra. Mas acho que a tendência é crescer, quanto mais eu for produzindo e for apostando em redes sociais. Rede Social é uma coisa que se eu investir, acho que vai [o portal] crescer ainda mais. Ainda não tenho perna para investir tanto, mas vai acontecer.

  • Você falou sobre algumas dificuldades que você encontra diariamente, mas quais seriam as maiores dificuldades que você encontra no jornalismo independente?

Dinheiro e recursos humanos para a produção. A principal dificuldade mesmo é dinheiro, para poder investir pesado em publicidade e marketing. Se houvesse outra pessoa pensando exatamente nas estratégias de marketing do portal, seria mais interessante, mas estou vendo o que 2023 nos trará.

  • Ainda assim, você trabalha com publicidade no seu site, como é comum a grande maioria dos veículos jornalísticos. Qual o critério para a escolha da publicidade que vai estar exposta no seu portal?

O Poder Público e afroempreendedores podem anunciar no portal. O critério só é, obviamente, pessoas ou negócios que dialogam com essa questão racial ou que tenham uma boa relação com essa temática. Eu faço parte de uma rede de publishers, uma rede de veículos chamada “Black Adnet”. É uma rede nacional de veículos voltados para questão racial, produzido por pessoas negras. Eles sempre veiculam anúncios e propagandas que dialogam com a questão racial ou anunciantes que estejam abertos a diversidade e inclusão. Captar anúncios de afroempreendedores é uma parte de marketing que ainda não consegui me dedicar. É mais uma janela aberta aí para mim.

  • Quem é Jamile Menezes no jornalismo hoje?

Ai mulher, pergunta filosófica essa hora do dia de domingo? *risos* Jamile Menezes é uma jornalista inquieta, preocupada com a inserção da comunidade negra na mídia, com a produção da comunidade negra, com a visibilidade positiva dessa comunidade na cena cultural do nosso Estado, da nossa cidade. É uma jornalista extremamente comprometida com essa causa, com esse impulsionamento da voz negra, principalmente da voz da mulher negra. É uma jornalista que está em busca de novos caminhos para fortalecer esse espaço que criei.

  • Pensando nos anos seguintes, quais as suas aspirações futuras para o “Soteropreta”?

Eu preciso buscar mais parceiros. Acho que precisamos de muita parceria com projetos e instituições acadêmicas, para que o portal seja espaço também de prática para estudantes que queiram produzir conteúdo voltado para essa comunidade. É uma janela muito importante que o portal fez em alguns momentos, mas que precisa potencializar. Captar recursos, inscrição em editais para que consigamos ter uma estrutura melhor e buscar uma rede maior de publicidade, captar uma publicidade mais preta. Desenvolver entre os afroempreendedores da cidade o conceito de publicidade e fazê-los ver que é importante estarem em veículos de comunicação que fortalecem a imagem de pessoas como eles. Então são três coisas que preciso focar nos próximos anos: publicidade negra e marketing, parcerias e recursos.

  • Existe algo que você gostaria de acrescentar?

Sim. Acho que o portal é um espaço importante para essa juventude negra que está estudando comunicação. É um espaço importante para que eles tenham o portal como uma possibilidade para as suas produções. Queria dizer que o “Soteropreta” está aberto para construir parcerias de várias formas. Estudantes de publicidade, marketing, jornalismo, relações públicas, pessoas da comunicação mesmo, o portal está “superaberto” para vocês!

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