Intolerância religiosa contra religiões afro-brasileiras e as mulheres frente essa pauta

Matéria por: João Hugo Cerqueira e Carlos Eduardo

Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos  apontam que em 2021 foram registradas 571 denúncias de intolerância religiosa no Brasil, mais que o dobro do número de denúncias registradas no ano anterior, que foi de 243. A maioria dos casos registrados são contra pessoas de religiões de matriz  africana , mesmo elas representando apenas 2% da população que declararam serem adeptas a religião, segundo dados do Datafolha. 

Os números divulgados pela ONDH são registrados através do Disque 100, canal criado pelo governo para receber denúncias de violações de direitos humanos. No entanto, os números podem ser ainda mais altos, já que em muitos casos as vítimas não fazem a denúncia por medo de que a violência se repita ou que o Estado não preste o devido apoio.

O caso de Liliane Pinheiro, 37 anos, que perdeu a guarda da filha por levá-la a um ritual de umbanda na cidade de Ribeirão das Neves (MG), evidencia a falta de apoio do estado na garantia do livre exercício da crença  por pessoas de religiões afro. Segundo informações do jornal O tempo, que divulgou o caso, a mãe afirma que a filha sofre de problemas neurológicos e por isso a jovem de 14 anos desmaiou no centro de Umbanda. Ao descobrir o caso, a escola da menina acionou  o conselho tutelar que abriu um chamado no Ministério Público de Minas Gerais. Por esse motivo, Liliane perdeu a guarda da sua filha. Ela acredita que houve racismo religioso por parte da escola e do conselho tutelar.

Na Bahia, na cidade de  Lauro de Freitas, outro caso escancara como a intolerância religiosa é tão grave. O terreiro localizado no bairro de portão , liderado pela Yalorixá Thiffany Odara de Osum, vem sofrendo violência por parte do estado. A líder religiosa conta que técnicos da prefeitura se recusaram a entrar na área  para limpeza de um rio, atualmente um canal de esgoto devido ao crescimento populacional da região.  Por se tratar de um terreiro, ao chegarem no espaço sagrado fizeram o sinal da cruz e se recusaram a entrar  no local. A Yalorixá registrou uma denúncia junto ao Ministério Público e após tomarem ciência do caso, os técnicos retornaram ao local, fizeram fotos, mas não entraram no terreiro.


Arquivo pessoal do Terreiro Oyá Matamba

Entrevistamos a Ruth Góes , advogada tributarista e candomblecista. Ao ser perguntada sobre qual o papel do legislativo para o combate à intolerância religiosa e como o direito deve operar para proteger os espaços religiosos e principalmente os adeptos aos cultos afro-brasileiros, ela aponta que “apesar do Legislativo criar leis, eles devem elaborar o que chamamos de PL (projetos de Lei) visando assegurar direitos, nesse caso direito fundamental”. Conta também que o direito é muito amplo, mas o legislativo deve criar esses projetos visando assegurar os direitos das minorias, são direitos constitucionais e, também, fundamentais. “Ao passo que o judiciário deve aplicar as sanções cabíveis de modo a assegurar o viés educacional da pena e nesse mesmo ponto, sabendo que algumas normas precisam da chancela da pessoa que preside o executivo, ela deve aprovar tais projetos para que se tornem leis.” Ruth ainda afirma que “ é um ciclo, o legislativo faz o projeto, o executivo aprova ( alguns deles) e por fim o judiciário aplica. Alguns o próprio legislativo vota e aprova, mas o movimento do executivo é bastante importante também, pois eles que elegem representantes dos ministérios e secretarias que devem desenvolver ações em prol de direitos constitucionais e fundamentais, inclusive.”A Yalorixá Thiffany Odara luta há dez anos na justiça para que a degradação do espaço religioso seja reparado, mais de 150 plantas sagradas foram perdidas e o quarto dos santos cultuados na religião alaga com frequência. O município já foi convocado, já que a causa foi dada como favorável para o espaço religioso e, ainda sim, tudo segue sem devolutivas. A líder religiosa ainda pontua sobre a importância do espaço religioso no local, que hoje serve também como espaço de cultura e sociabilidade para os moradores do entorno.

Arquivo pessoal do Terreiro Oyá Matamba

Adeloyá Ojú Bará se denomina foto ativista e é especialista em fotos de terreiro. Ela conta na sua biografia que foi a fotografia que a levou ao Candomblé. “Hoje tenho a honra de pertencer ao Òrìsà! Há sete anos venho aprimorando e desenvolvendo a técnica e a sensibilidade de fotografar as festas públicas nos terreiros sem o uso de flash, tendo como resultado um trabalho que normalmente impressiona pela simplicidade e sensibilidade, fruto do imenso amor que tenho pelos Òrìsàs, Caboclos e Entidades. Um trabalho delicado, cheio de comprometimento com o sagrado, desenvolvido com seriedade, ética, respeito e pontualidade. Junto à fotografia afro-diaspórica,  enfatizo  a  importância  e  a  beleza  da  ancestralidade nos  ritos afro-brasileiros.”

Adeloyá tem um papel importante enquanto pessoa branca, que veio do Sul do Brasil: o de mostrar através da fotografia a cultura afro, levar com alma a naturalidade e a seriedade do candomblé. Sabendo do seu papel social, essa é uma das formas que ela também encontra de combater a intolerância religiosa, sobretudo o racismo religioso que as religiões de matrizes africanas sofrem até hoje.

Mulheres como Liliane, Thiffany, Ruth e Adeloyá são exemplos na luta contra o racismo religioso e pelo direito de todos os adeptos de religiões de matrizes africanas poderem exercer suas crenças. Mesmo com os ataques, elas continuam sua luta com a força dos Orixás e de pessoas que perderam sua vida por causa da intolerância religiosa. Como Mãe Gilda, Yalorixá baiana que sofreu ataques verbais e teve seu terreiro destruído após a publicação no jornal Folha Universal  “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”, com a foto da líder religiosa na capa. Três meses depois da publicação da matéria, 21 de  janeiro de 2000, Mãe Gilda faleceu de infarto gerado pelo agravamento de sua saúde, consequência dos ataques dos fundamentalistas.

Em 2007, foi sancionada a lei número 11.365/2007 que em homenagem a Mãe Gilda , que consagrou o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Outra homenagem à líder religiosa é o busto no Parque Metropolitano do Abaeté, no bairro de Itapuã, em Salvador, inaugurado em 2014. Mesmo após o dia internacional ser instituído, ainda ocorrem atos criminosos de intolerância, inclusive contra o próprio busto de Mãe Gilda, o infrator foi preso em flagrante e logo após solto e nada mais foi falado sobre o caso. 
Essa matéria busca mostrar uma realidade que ainda ocorre no nosso país e tem o intuito de jogar luz em um debate que precisa ser levado adiante com um olhar humanizado e colocando as mulheres na frente do debate, como as principais propulsoras de uma resposta para esses crimes que ferem a dignidade humana de cada sujeito.

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